A edição de 28 de dezembro da revista The Big Issue traz uma matéria sobre a quarta temporada de Sherlock. Confira abaixo a tradução:
”É muito especial, é um pouco bizarro”
Até Benedict Cumberbatch levanta uma sobrancelha para o devotado fandom que Sherlock atrai. Ir atrás das estrelas quando o jogo está rolando é trabalho detetivesco por si só. Entrevista por Adrian Lobb
”Onde estão todas as alavancas e controles?”. Quando Benedict Cumberbatch voltou a gravar Sherlock no verão de 2016, fazia mais de três anos que ele tinha interpretado o investigador na versão moderna. No meio tempo, ele interpretou Doutor Estranho, Hamlet, Ricardo III, Alan Turing, assim como um Holmes da era vitoriana no episódio especial de Sherlock do ano passado, A Noiva Abominável. Ele também se tornou pai em Junho de 2015, e foi nomeado CBE. Não é de se estranhar que ele tenha ficado um pouco desorientado.
Os roteiros chegaram tarde. A fotografia principal de Doutor Estranho terminou no dia 3 de Abril em Nova York, enquanto que as gravações da quarta temporada de Sherlock começaram no dia 4 de Abril, em Cardiff.
”Eu terminei Doutor Estranho”, Cumberbatch recorda. ”Naquela noite, eu entrei num avião, acordei e fui levado à Cardiff. Eu não estava com o corpo de Sherlock. Eu estava com o corpo de Doutor Estranho. Então eu estava bem grande e corpulento. De um jeito saudável. De um jeito meio atlético. E ele, Sherlock, não é necessariamente assim o tempo todo”.
Considerando que o especial de Natal do ano passado aconteceu quase que completamente no Palácio Mental drogado do grande detetive consultor – com direito a bigodes falsos e deerstalkers – é seguro dizer que Sherlock não estará na melhor forma física ou mental quando a nova temporada começar.
”Se você parar para observar seu estado mental, você estará diante de alguém com muitos problemas”, diz Cumberbatch. ”Imaginar tudo aquilo para tentar resolver um caso, naquele período de tempo, é uma coisa e tanto. Mas se aquilo foi ele colapsando, é só uma gota no oceano comparado ao que está por vir”.
A presença de um cachorro e um bebê no episódio de Ano Novo, As Seis Thatchers, já é sabida. ”Sherlock não é tão apaixonado por bebês quanto eu sou”, diz Cumberbatch. ”Sim. Ele tem uma afeição profunda por ela, a criança. Mas há muito acontecendo em sua vida. Ele não pode parar para trocar fraudas ou para dar papinha!”.
E Mark Gatiss, co-criador, roteirista e produtor ao lado de Steven Moffat (Gatiss também interpreta o irmão de Holmes, Mycroft), revela que ele pessoalmente pediu para quebrar um dos bustos de gesso de Margaret Thatcher que são destruídos no episódio.
Mas tentar arrancar mais detalhes da trama ou uma atualização sobre se essa poderá ser a última temporada (seu último episódio provocativamente se chama ”O Problema Final”) se mostra impossível. ”Erm, sem comentários. Sim, coisas acontecem, o que posso dizer? Você terá que esperar pra ver. Hmm, sim, próxima pergunta, haha!”
De qualquer forma, quem é que quer spoilers? No entanto, nos prometem mais obscuridade do que antes e um novo nêmesis na forma de Tony Jones.
”Talvez esta seja a quarta ou quinta vez que trabalhamos juntos”, diz Cumberbatch. ”Toby é um velho amigo. E ele está no auge dos seus poderes. Ele é fenomenal. Espere até você ver o que ele faz, é extraordinário”.
Apesar da obscuridade, o humor sagaz característico da série ainda está muito evidente. ”Do jeito mais precariamente brilhante. É simplesmente incrível como [os roteiristas] conseguem – e, com sorte, nós conseguiremos colocar em prática – trocar de tom e ainda assim lhe manter vidrado em coisas que parecem muito arriscadas e sombrias e fazer você rir alto na mesma cena”, ele diz. ”E você está certo, essa é sua marca registrada. Definitivamente não perderá seu humor”.
”Os relacionamentos são mais detalhados, mais fortes, mais explorados do que já foram antes”, ele continua. ”E há muita escuridão em algumas partes, e também absoluta genialidade e luz e amor e bondade”.
Depois da entrevista, Cumberbatch se juntará aos seus colegas de elenco para uma gravação noturna na North Gower Street. ”Faremos cenas externas. Entrando e saindo do 221B. Pelo menos, eu farei. Não consigo me lembrar do que todo mundo está fazendo. Eu realmente leio os roteiros e depois só foco no que vou fazer – porque é bastante coisa. Eles engenhosamente não escrevem muito que é muito complicado”, Cumberbatch explica sobre as cenas nas ruas de Londres.
Habitualmente, eles atraem multidões de apoiadores ultra-dedicados de Sherlock que estão ansiosos por um pouco de ação ao vivo. Esses são os fãs que lideram os seguidores frenéticos da série. É especial gravar na frente do fandom?
”Especial é a palavra que define!”, ri Cumberbatch. ”É muito especial. É um pouco bizarro, mas eles são muito benignos. Seria muito pior se eles estivessem jogando frutas estragadas. Quem sabe? Pode ser que isso aconteça esta noite. Eles podem estar furiosos com tudo que aconteceu no especial de Natal do ano passado”.
”Mas, como um todo, eles são um grupo incrivelmente respeitoso. Eles são um time de casa, um grupo de casa. Eles realmente compreendem que, naquele momento, eles basicamente estão no nosso escritório. Mais do que um passante bêbado. Esse é mais difícil do que 400 fãs apaixonados. Fica absolutamente silencioso quando estamos gravando uma cena”.
Passando para a gravação noturna na North Gower Street
As placas da rua foram trocadas para ”Baker Street” na noite anterior. A notícia é espalhada rapidamente pelas comunidades online. Pela manhã, centenas de fãs de Sherlock estão posicionados atrás de barreiras, enquanto a equipe de produção prepara as máquinas de chuva, o equipamento de iluminação e se assegura de que nenhum santuário dedicado a Cumberbatch e companhia está visível para a câmera – seria meta demais, até mesmo para esta série. Durante as próximas horas, enquanto The Big Issue encontra Cumberbatch, Martin Freeman e o resto do elenco num hotel da vizinhança, a multidão de frequentadores da Baker Street se avoluma.
Como eles sabem onde e quando vir? #Setlock é a hashtag que guia os fãs para lugares de filmagem através de Londres, Cardiff e o mundo amplo, e parece que Sherlock Holmes não é o único detetive com uma vasta equipe de rua o ajudando.
“A parte mais importante é a experiência de comunidade,” explica a super-fã e blogueira HotMugStache, 21, de Londres.
“A outra grande parte, claro, é o jogo. É o trabalho real e duro de detetive de encontrar locações e analisar o que está sendo filmado.
“Mesmo com toda a informação que obtemos deste trabalho bastante meticuloso, nós ainda estamos longe de ser capazes de contar demais sobre o roteiro final da temporada. De algumas formas nós recebemos a satisfação da revelação duas vezes. Não estraga nada para mim.”
No verão passado HotMugStache fugiu para Cardiff por cinco semanas e também aproveitou uma visão de perto da ação em Londres. “Algumas das melhores e vamos dizer extremas experiências foram as filmagens noturnas. Eu fiquei acordada a noite inteira do lado de fora do set das 18h às 8h para a duração completa de uma filmagem noturna,” ela diz.
Lesie, também conhecida como TheSetIsOn, tem 21 anos, uma participante ativa desde 2014 e compiladora do que ela descreve como um compêndio #setlock online. Baseado em Virginia, EUA, isto é fandom a uma distância — mas não menos intenso.
“Ter alguém online observando mais informação entrar é muito útil para as pessoas que estão lá fora procurando porque posso mandar uma mensagem para os Setlockers e apontá-los na direção certa,” ela diz.
“Os amigos que eu fiz como parte deste fandom sinceramente mudaram minha vida,” ela diz. “Eu conheço pessoas de todo o mundo por causa dele. Existem 12 pessoas atualmente planejando vir ao meu apartamento para que todos nós possamos assistir ao final da série quatro juntos, alguns deles voando literalmente de milhares de milhas longe dele. Obviamente tudo isso começou com o show — foi o que nos trouxe a esse fandom em primeiro lugar — mas ficamos por causa das pessoas que encontramos aqui.”
Enquanto a escuridão cai e as luzes se acendem, o elenco chega. Agora, o jogo começou. Gritos enormes saúdam Martin Freeman. Amanda Abbington percorre para conversar com os fãs. Não há cotoveladas, não há empurrão. Um diretor assistente os lembra que pessoas moram por aqui: “É ótimo que vocês estejam aqui hoje mas lembrem-se de que é um lugar residencial. Chega de algazarra e gritos, muito obrigado.” A excitação se eleva. Cumberbatch está a caminho. Ele chega. Em traje de Sherlock completo. O som é inquietante. Silêncio empolgado. Um vácuo ensurdecedor enquanto os fãs de todos os cantos das ruas ao redor se silenciam, mãos sobre as bocas.
Nenhum outro show, nem aqueles cuja audiência é similarmente gigantesca, tem fãs assim. Não Doctor Who, não GBBO (Great Britain Bake Off), não Call the Midwife. Chegue ao Elstree Studios em qualquer dia da semana e uns poucos fãs destemidos de EastEnders estão lá mas isso dificilmente é Beale-mania.
Alexis, 19, tira seus olhos do astro do show por um minuto para falar com o The Big Issue. “Eu amo Benedict Cumberbatch,” ela declara. “Nós somos grandes nerds, e orgulhosos disso.” Kathleen, 21, acena com a cabeça em concordância. Outra fã que viajou de Paris vai ficar para assistir à filmagem a noite toda antes de voltar pelo Eurostar de manhã. Enfermeiras nas paredes da residência da porta ao lado da Speedy’s Cafe se inclinam para fora das janelas do último andar, tendo talvez a melhor vista da loucura.
A diretora Rachel Talalay já teve um gosto de fãs hardcore, trabalhando em Doctor Who. Ela concorda, porém, que Sherlock está em um nível diferente. “Em primeiro lugar, meu medo é a responsabilidade de seguir um trabalho tão brilhante,” diz Talalay, que faz sua estreia em Sherlock com As Seis Thatchers. “Mas também, o show tem fãs tão apaixonados. Então eu sinto uma enorme responsabilidade ao fandom. Estou entrando neste mundo que significa tanto para tantas pessoas.”
Martin Freeman abre um sorriso largo quando os fãs são mencionados. “Nós não escrevemos o show apenas para agradar as pessoas que são fanáticas pelo show mas fingir que essas pessoas não existem seria maluco,” ele diz. “Eu nunca conheci nada como — tenho 44 anos mas vou dizer a palavra ‘fandom’. Foda-se! — o fandom deste show. Mas ao mesmo tempo não são as 12 milhões de pessoas que sintonizaram no Natal. Elas não são todas assim. A maioria delas é seu tio ou meu primo. E você tem que fazer isso para eles, enquanto faz detalhes o bastante para agradar as pessoas que o conhece muito melhor do que eu conheço.”
Cumberbatch acrescenta: “Às vezes é um pouco estranho e confuso saber que você não pode sair disso. Literalmente, se você tropeça ou ergue uma sobrancelha se torna um meme da internet,” ele diz, erguendo uma sobrancelha. “É um pouco estranho. Você tem que ligar um filtro no seu cérebro. Às vezes eu sou bom nisso, às vezes não sou.”
Tradução: Gi e Aline
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