O Guardian Guide, caderno especial integrante do jornal britânico Guardian, publicou hoje uma matéria sobre a quarta temporada de Sherlock. Leia a tradução aqui!
Suas deduções inteligentes e drama emocionante fizeram dela uma obsessão global. Agora Cumberbatch e cia. estão de volta para sua temporada mais sombria de todas. Eles explicam por que veremos um Holmes mais gentil desta vez
Por Julia Raeside
Moriarty está morto, certo? Mas como ele pode estar? Ele mandou aquele vídeo de si mesmo para todas as telas de TV no país no fim da última temporada de Sherlock, sorrindo para a câmera e repetindo as palavras: “Sentiu saudades minhas?” Os fãs do suspense de detetive grandemente popular de Steven Moffat e Mark Gatiss foram deixados pendurados enquanto o arquivilão aparentemente falecido, interpretado por Andrew Scott, provocava o vingador de cachecol de Benedict Cumberbatch do além-mundo. Ou será que provocou? Ou não provocou? Não espere nenhuma resposta direta e uma barragem de bolas curvas quando Sherlock voltar no dia de Ano Novo.
Sherlock agora tem uma popularidade global que é quase intensa demais para compreender. Os fãs verdadeiramente devotos seguem uma hashtag do Twitter – #setlock – que divulga para o público informação sobre locações das filmagens. Quando a multidão descobre uma localização, há uma debandada virtual na direção de Cumberbatch e cia. de todos os cantos da Europa. Viritar a falsa Rua Baker (é filmada em outra rua do centro de Londres ao norte da Euston) em uma noite de junho, eu sigo a imprensa mundial por barreiras de travamento, por cima de cabos, evitando luzes de arco e os tripés para duas máquinas de chuva gigantes, para ver uma multidão de várias centenas de fãs do outro lado das barreiras de nós, esperando um vislumbre de alguma coisa, qualquer coisa, enquanto a equipe se prepara para uma filmagem noturna para a quarta temporada da série. Durante uma tomada, silêncio respeitoso. Na chegada de uma das estrelas, Beatlemania.
Laurence, 23, de Paria está usando um chapéu de feltro e é um membro da Sherlock Holmes Society na França. Ela voou para o dia na esperança de ver o elenco e ficará a noite toda, voando para casa pela manhã. O vizinho de plateia dela é da Itália, e também voa para casa amanhã. Laurence me conta: “No grupo em que estou na França nós temos pessoas de todas as idades mas todos amam o Sherlock na BBC porque é fiel ao original mas há uma torção nele, então não é algo que já vimos antes.” Ela sorri mas os olhos dela focam de repente em um automóvel preto estacionando atrás de mim. Todo olho na multidão agora barulhenta fixa nele enquanto sai Benedict Cumberbatch em traje completo. Ele dá a eles um aceno e corre em direção à porta da falsa Rua Baker 221B enquanto os fãs se esforçam para manter a visão dele até que esteja lá dentro.
Amanda Abbington, que interpreta Mary Watson, se maravilha com a dedicação deles: “Eu nunca falei sobre Sherlock sem em algum ponto falar sobre o fandom,” ela diz. Ela pode relatar. Em sua adolescência, ela era uma Brosette [fã da boy band inglesa Boss] comprometida. Agora Matt Goss a segue no Twitter e ela ainda se sente empolgada com isso.
Enquanto nem todos os milhões de fãs de Sherlock são tão dedicados que atravessarão continentes, você consegue ver por que ele é tão amado. Um vilão bilionário de história de quadrinhos de verdade está se preparando para se mudar para a Casa Branca, de verdade, então agora parece ser a hora perfeita para o retorno deste mais britânico dos super-heróis. Abbington diz: “Se você desenhasse [Trump] como um personagem em um show pensaria que ele não era crível.” Sherlock pode ser uma caricatura de inteligência mas seu intelectualismo desembaraçado é de alguma forma reconfortante enquanto o mundo fica idiota. Apesar do sucesso das campanhas recentes que ganharam em um ingresso “Ninguém gosta de um babaca inteligente”, nós amamos Sherlock porque ele é o babaca mais inteligente de todos.
O cocriador Steven Moffat estima que 15 milhões de pessoas pelo globo viram Sherlock, ainda mais do que sua outra série de sucesso, Doctor Who. Tão muitos olhos apontando para apenas 10 episódios lançados. Cumberbatch diz que ele e os criadores do show ficaram há muito confusos sobre o que fez aquele primeiro episódio em 2010 pegar foto do jeito que pegou. “Nós somos uma ficção slasher e uma versão atualizada de um clássico vitoriano, então isso por si só brinca no mundo da obsessão de fã,” ele considera. “Outra parte disso é que eu tenho cabelo cacheado e olhos que estão quase nos lados opostos da minha cabeça e isso fala com muitas pessoas por algum motivo.” Ele é modesto quanto a sua aparência única, que foi comparada com uma caixa de leite amassada em um meme da internet (ele pronuncia mem), mas Cumberbatch é agora frequentemente visto em um agasalho, em cima de um edifício alto – Sherlock, Doutor Estranho e em Além da Escuridão: Star Trek – o elevou a um desses atores que você consegue identificar só pela silhueta.
Ele e os coastros Martin Freeman e Amanda Abbington voltam para nossas telas em As Seis Thatchers, a primeira das três aventuras escritas por Moffat e Mark Gatiss. Nós nos reunimos com o trio que luta contra o crime com uma nova adição já que Mary está prestes a dar à luz. O marido John está pronto para a nova paternidade e Sherlock está pronto para aplicar sua lógica implacável ao cuidado de crianças. Que engraçado. Ainda assim, apesar das stills de publicidade fofas com um cão de caça enorme e Freeman usando um canguru para bebês, tudo fica negro como óleo depois disso. O primeiro episódio centra no curioso caso das Seis Thatchers, bustos de gesso de Maggie Thatcher que estão sendo sistematicamente esmagados por motivos desconhecidos. Longe de um quebra-cabeças alegre armado por um colega jogador não visto, as Maggies esmagadas apontam para segredos terríveis do passado de um personagem. Ser mais específico seria arruinar um dos maiores momentos “DE JEITO NENHUM” da TV em anos. Desnecessário dizer, se você está olhando para uma direção, Moffat e Gatiss colocarão uma armadilha na outra.
Nós sabemos que Toby Jones, ele da testa grande e olhos gentis que de repente podem mudar para ameaça fria como uma boneca em um filme de terror, aparecerá no episódio dois como o assustador Culverton Smith, um nêmesis novo e ameaçador para com quem Sherlock se entrelaçar.
Esta é a temporada mais sombria de todas? “Eu diria que provavelmente é,” diz Cumberbatch, mantendos suas respostas curtas e cautelosas caso algum segredo de roteiro vaze entre suas palavras. Esta é a desgraça global se infiltrando para a ficção, ou apenas uma coincidência? Gatiss ainda está em um estado de angústia sobre os eventos de 2016. “Eu não sei se conheço este país do jeito que achei que conhecia,” ele franze o rosto enquanto nos sentamos no cinema onde acabamos de ver o episódio um da nova temporada. “Nós tivemos uma reputação duramente ganha para um tipo de coisa sem graça, mas geralmente bastante justa. Isso saiu da porra da janela,” ele acrescenta tristemente, se referindo à mudança no humor nacional.
Moffat também está desesperançado diante dos eventos em ambos os lados do Atlântico. ”Se a ficção tem um papel nisso, e eu não sou um tolo fátuo ao ponto de achar que realmente tem, eu acho que devemos começar a dizer o que constitui um herói’’. Na nova temporada, o detetive de Cumberbatch é menos do sabichão irritantemente convencido que vimos nos primeiros episódios. Moffat elabora:”Ser um herói não é ser maior, mais rico, mais poderoso do que outra pessoa. É ser mais sábio e mais gentil’’. Ela dá uma pausa e acrescenta: ”Acho que é hora para um Sherlock menos mala’’.
Ser menos mala não significa não ser um mala inteligente. Aquela dança analítica ainda está em evidência: floreios emocionantes de massa cinza enquanto Sherlock escaneia um local e deduz mil coisas impossíveis sobre a pessoa diante dele. De qual cérebro elas vêm? Do Gatiss ou do Moffat? Gatiss diz: ”Nós trabalhamos nelas [juntos]’’. Eles passaram um tempo durante a pré-produção da temporada pairando em seus mantos num retiro marroquino, se encontrando para refeições e depois desaparecendo para escrever cenas. ”Nós temos uma espécie de banco delas, onde você só: ‘Oh, eu tenho uma! Eu tenho uma!’ Se você pega uma boa, é tão excitante’’.
Eles colhem situações da vida real também. Gatiss estava atuando em Three Days In The Country no National Theatre ano passado, ”e um dos meus colegas de elenco chegou para o aquecimento segurando 10 cigarros eletrônicos individuais’’, ele diz, sorrindo com a lembrança. Seu colega explicou que estava tentando parar de fumar e não queria usar um cachimbo eletrônico, porque sabia que ele nunca conseguiria parar de fumar se tivesse um. Então ele comprou cigarros eletrônicos descartáveis na esperança de que um dia ele irá jogar todos fora. Isso aparece numa trama secundária em As Seis Thatchers.
O título é uma versão de Os Seis Napoleões de Arthur Conan Doyle, uma história que inclui bustos de gesso do famoso imperador. É outro aceno para os fãs que juntam referências ao original como viciados felizes. Gatiss e Moffat, ambos fãs de Conan Doyle desde a juventude, sabem como é se fixar em alguma coisa com tanta paixão. Moffat diz: ”Eu tenho uma profundidade aterrorizante de conhecimento sobre Doctor Who e Sherlock Holmes que faz do fato de eu não ser mais um virgem, um milagre’’
Freeman concorda que o Sherlock deles tem ”momentos de referência a si mesmo e a seu conhecimento, de certa forma. [Steve e Mark] não escrevem apenas para agradar as pessoas que são fanáticas pela série. Mas fingir que estas pessoas não existem seria loucura, porque eu nunca conheci nada como o…Eu tenho 44 anos, mas estou falando a palavra fandom, que se dane – como o fandom desta série’’.
E o resto do elenco? Em que eles eram obcecados durante suas juventudes? Abbington descreve com orgulho seus anos de Brossette: ”Eu e minha amiga Jenny descobrimos que os irmãos Goss costumavam morar em Peckham e procuramos todos os Goss e tocamos a campainha dizendo ‘Podemos falar com Matt ou Luke, por favor?’. Eu fui completamente e totalmente obcecada por Matt e ele foi o homem dos meus sonhos por muito tempo’’.
Cumberbatch diz que ele era mais como uma borboleta quando o assunto era fixações juvenis. ”Eu tinha obsessões que passavam com cada período da escola, fosse skate, ou Harrison Ford ou Transformers’’. Mas ele era parcial quanto ao The A Team. Quando pressionado a dizer qual membro ele gostaria de ser, ele admite, ”Depois de um café, provavelmente Murdoch e se eu estivesse no meu jeito mais típico de tapete vermelho, então definitivamente The Face. Quando estou esperto o suficiente para me colocar nos eixos e organizar as coisas, eu gostaria de ser o Hannibal’’. Ele raramente dá uma resposta inequívoca quando está falando de si mesmo. Mas quando toda contração e sobrancelha levantada vai parar na internet, não se admira que ele empregue cautela. Apesar de sua intensidade, a presença dos fãs é vista como benigna e respeitosa pelo elenco e pela equipe.
O nível de obsessão não é nada novo quando o assunto é Sherlock. Num artigo da Strand Magazine em 1917, Conan Doyle recorda um encontro com um fã: um barqueiro de Cornwall que havia reconhecido o escritor enquanto ele estava de férias. Gatiss conta o caso, fazendo vozes.”Ele disse: ‘Você escreveu Sherlock ‘Olmes?’ E ele só ‘Sim’ ‘Certo, eu gosto delas’ ‘Obrigado’ ‘Mas, olha, elas nunca mais foram as mesmas desde que ele voltou dos mortos’. Ele era como um troll, o primeiro, vaia Gatiss. Num minuto estão o atacando com o guarda-chuva (como dizem que uma mulher fez com Doyle) por matar seu herói, no seguinte estão reclamando sobre a maneira com a qual você o trouxe de volta.
Moffat e Gatiss também foram escaldados quando seu herói retornou dos mortos no começo da terceira temporada. O título do último episódio desta nova temporada é O Problema Final, o mesmo da história em que Conan Doyle originalmente mandou Holmes para sua destruição (temporária). Entenda isso como quiser, mas os escritores estão se divertindo horrores fazendo com que fiquemos tentando adivinhar. ”Vocês mentem em entrevistas?’’, lhes perguntaram numa coletiva de impressa. ”Sim”, sorri Moffat. ”Não”, diz Gatiss, sorrindo ainda mais.
Pelo que quer que seja que os fãs estejam esperando, seu ardor com certeza queimará mais forte do que nunca por esta nova temporada. Não só porque eles têm uma queda por Cumberbatch ou ficam fracos diante daquela ostentação de destreza mental. Mas porque a ideia de um herói mais sábio e mais gentil que fornece ordem ao caos merece ser apoiada agora.
A quarta temporada de Sherlock começa no Dia de Ano Novo, às 8.30 da noite na BBC1.
Tradução: Aline e Gi | Fonte