Leia abaixo uma entrevista sobre a minissérie Patrick Melrose que Benedict concedeu ao jornal Sunday Times, publicada no último domingo, 22. Atenção: Pode haver spoilers sobre o enredo.
Benedict Cumberbatch é o protagonista drogado perfeito enquanto os romances violentos de Edward St Aubyn chegam à TV.
Por Stephen Armstrong
Patrick Melrose começa com Benedict Cumberbatch como o herói homônimo hesitando ao lado de um telefone tocando. É 1982, a ligação é de Nova York, e a linha é indistinta. Finalmente, o orador termina a ligação: o pai de Partrick morreu, sozinho, em um quarto de hotel. Cumberbatch se dobra — parece de dor ou choque — até que nós percebemos que ele está procurando uma seringa de heroína recentemente usada. Enquanto a conversa progride, ele combina o abatimento opiáceo com ligeira impaciência, disposto a sucumbir à droga inundando através de suas veias. “Se você quiser recolher as cinzas… Você tem muita coisa?” Nicholas oferece em Nova York. Cumberbatch cai no chão e olha curiosamente para o sangue escoando por sua manga de camisa cara. “Não nesse exato momento, não”, ele fala pausadamente.
A série de romances Patrick Melrose — a saga familiar de abuso, vício e redenção épica e cortantemente espirituosa de Edward St Aubyn que se lê como Evelyn Waugh escrevendo Trainspotting — foi um favorito cult desde a publicação de Não Importa em 1992. Os cinco volumes são autobiografia finamente disfarçada: St Aubyn, um aristocrata pequeno e ex-drogado, foi estuprado repetidamente por seu pai quando era criança. Leitores muitas vezes são recomendados aos romances, os evitam por um tempo, mergulham e rapidamente se tornam fãs obcecados.
Quatro dos livros acontecem durante um único dia. Em Não Importa, os Melroses estão na França, Patrick tem cinco anos, há um jantar, e seu pai, David, o estupra pela primeira vez. Em Más Notícias, Patrick é um viciado em heroína de vinte e poucos anos, recolhendo as cinzas de seu pai em Nova York. Em Alguma Esperança, originalmente o volume final do que foi concebido como uma trilogia, ele confessa o abuso a um amigo e reclama pelo caminho em uma festa com a Princesa Margaret. St Aubyn estendeu a série com O Leite da Mãe — seu primeiro bestseller — onde Patrick é um pai assustado com a possibilidade de repetir o abuso com seus filhos pequenos. Finalmente, no final friamente nomeado, Enfim, ele comparece ao funeral de sua mãe e alcança fechamento — de uma maneira.
Para aqueles não familiares com os romances, a notícia de que o canal Sky havia autorizado uma série baseada em cinco livros sombrios sobre a pequeno aristocracia abusiva e decadente pode ter parecido ligeiramente surpreendente. Reviver o Passado em Brideshead está mesmo melhorado por ofertas de drogas em ruas e tortura selvagem? Para aqueles que conhecem e amam Melrose, no entanto, havia um pavor agudo parecido com a notícia de que um parente estava em perigo mortal. Os fãs de Melrose são protetores de Patrick. Eles não querem que mais ninguém o machuque ou faça algo errado com ele. E Cumberbatch deveria saber — ele é tão devoto quando o melhor deles.
“Você sempre aborda um personagem literário muito amado com trepidação”, ele diz. “Porque eu sei que não estou fazendo o filme que tenho na minha cabeça como um leitor desses livros, muito menos todos que chegam a isso com suas expectativas”. Estamos nos encontrando no pátio de um castelo francês, fazendo as vezes de Le Plan — o lar de St Aubyn/Patrick e a cena dos maiores crimes e seu pai.
“Eu não sou a escalação perfeita aos olhos de todos. E além disso tem a minha própria crítica, que provavelmente é mais afiada do que alguém suspeitaria. Eu sou meu maior crítico, sou mesmo. É uma dádiva e uma maldição.”
Apesar do formato de sucesso anterior com personagens literários amados, é justo dizer que Cumberbatch parece tenso — ele está ativamente comprometido com a produção assim como estrela neste drama ácido e tem que cessar de vez em quando para organizar alguma coisa, falar com alguém ou correr e fazer uma cena. Sua empolgação, no entanto, é palpável. Perguntado por um fã em Sidney em 2012 quais papéis ele gostaria de interpretar, ele citou apenas dois: Hamlet e Patrick Melrose.
“Eu senti que tinha uma leve tranca para este mundo — o brilho e a frieza do cinismo e da ironia — junto com esta sensação dolorosa de que tudo é uma chatice terrível”, ele diz. Seu avô Henry Carlton Cumberbatch foi um oficial de submarino e uma figura na sociedade de Londres. Seu bisavô era conselheiro geral da Rainha Victoria na Turquia e no Líbano.
“Minha avó, o que foi que ela disse? ‘Oh, que chatice: oh, querido, não vamos falar disso, é uma chatice’. É tudo tão irreverente, é tudo tão superficial. E para não denegrir minha avó, ela era uma pessoa carinhosa e amigável, mas tudo se tratava daquela pressão social de evitar investir qualquer tipo de emoção ou cuidado sincero”.
Os produtores de Melrose — o casal poderoso Michael Jackson, o ex-diretor de televisão da BBC, e Rachel Horovitz, a produtora americana de Grey Gardens e O Homem que Mudou o Jogo — viram a entrevista australiana de Cumberbatch e o abordaram rapidamente. Horovitz tinha amado os livros por anos. “Eu fico fascinada por este país, não tanto como uma anglófila mas como uma antropóloga”, ela diz pelo telefone. “Quando eu ouvi que os livros estavam disponíveis, eu liguei para o agente de Teddy [St Aubyn], que disse, ‘Eu sei por que você está ligando'”.
O casal cuidou do projeto durante os primeiros anos quase sozinhos, contratando o autor de Um Dia e Garoto Nota 10, David Nicholls, para escrever o roteito depois que ele os perseguiu para uma reunião. “Eu estava trabalhando em uma livraria quando li Não Importa”, Nicholls lembra. “Eu li cada um dos livros quando saíram a cada quatro ou cinco anos, e sempre quis adaptá-los, embora pudesse ver que eu não era a escolha óbvia. Mantive meus ouvidos abertos, e quando os direitos vieram eu tive que fazer uma reivindicação e me esforçar.
“Quando eu escrevo sobre esse mundo, estou escrevendo como um forasteiro, e a escrita de Teddy como um alguém de dentro — nós dois escrevemos comédia social, mas Teddy é ligeiramente melhor, mais severo e mais espirituoso do que eu, então fiquei deliciado quando me pediram”.
A única mudança significativa que Nicholls e a equipe fizeram nos cinco livros — além de abreviá-los a roteiros de uma hora de duração — é trocar o primeiro e o segundo de lugar. Más Notícias vem primeiro, seguindo Melrose enquanto ele luta contra sintomas de abstinência de heroína no exclusivo Drake Hotel em Nova York, ouvindo vozes em sua mente (todas interpretadas, divertidamente, por Cumberbatch). Nós o vemos emborcar martinis fortes, quaaludes e black bombers (anfetamina), em uma tentativa desesperada e ultimamente fútil de evitar ligar para o notório traficante Chilly Willy no Lower East Side e deixar a Lady Heroína voltar à sua vida.
O episódio é glamuroso, incômodo, hilário e perturbador. Cumberbatch salta agilmente do prazer extremo ao desespero desintegrador, às vezes no meio de uma única palavra. Ele bebe um martini e grita, “Tomamos Akabar!”. Ele tenta destruir a caixa contendo as cinzas de seu pai e encontra humor seco em seu fracasso.
É divertido, em outras palavras, e uma entrada muito mais segura para o conto do que Não Importa: um retrato sombrio de David, pai aristocrata empobrecido de Patrick, casado com uma herdeira americana, mãos deformadas demais para continuar como cirurgião e dolorosas demais para tocar seu amado piano, descontando suas frustrações em todos.
Nós vemos David pela primeira vez de pé em frente a uma janela no castelo, conversando com uma empregada. A bandeja dela está tão pesada que seus braços estão tremendo e ela mal consegue falar. Ele fala arrastadamente, acrescentando descrição lânguida às suas perguntas simples, esperando ver quanto tempo levará para ela quebrar. Mais tarde, ele estuprará seu filho pela primeira vez, dizendo, “Eu não espero que você me agradeça agora, mas talvez quando for mais velho você ficará grato pela habilidade de distanciamento que eu instilarei”.
Em uma entrevista ao The New Yorker — no qual ele foi descrito como ter o ar de alguém que está confuso, e bastante impressionado, de descobrir que não está morto — St Aubyn disse de seu pai: “Ele foi a pessoa mais destrutiva que já conheci. Ele tinha uma tela pequena com a qual trabalhar, mas ele era tão destrutivo quando podia ser. Se ele tivesse recebido Camboja, ou a China, tenho certeza de que ele teria feito um excelente trabalho”.
Para interpretar este ditador mesquinho, os produtores se viraram para Hugo Weaving, um homem tão hábil em escuridão que ele deu humanidade ao algoritmo assassino conhecido como Agente Smith em Matrix.
“David é absolutamente monstruoso, mas ele é um ser humano”, Weaving diz em seu trailer nos jardins do castelo, entre tomadas. “No livro, nós entendemos um pouco sobre o que fez David ser quem ele é. Conversar com Teddy realçou isso para mim: você tem que assumir que algo similar aconteceu com David em sua infância. Mas não temos o espaço nessa peça para mergulhar nessas razões, então lidamos com David como um pedófilo sarcástico e misógino que é incrivelmente charmoso e criativo, mas profundamente danificado e infeliz. Então, muito complexo”.
Mas David escapa de nosso maior desprezo. Ele é reservado a Eleanor de Jennifer Jason Leigh, a mãe rica, bêbada, distraída e autocentrada de Patrick, que assina cheques para o Save the Children, mas ignora a dor de seu próprio filho. Quando o crescido Patrick finalmente admite a ela o estupro, ela habilmente faz os horrores dele sobre si mesma. “Eu também”, ela diz, antes de conceder seus bens mundanos, incluindo o castelo, a um culto da nova era idiota. Enquanto Patrick percebe que ele essencialmente foi um brinquedo dos jogos de seus pais sadomasoquistas, isso quase o faz descarrilar pela segunda vez.
St Aubyn, porém, sobreviveu. Cada membro do elenco parece ter conhecido e se apaixonado por ele. Assim como Patrick, ele encontrou salvação em sua habilidade de jogar sua infância fora e viver algo perto de uma boa vida.
Tradução: Aline | Fonte