Confira dois artigos publicados no ‘The Sunday Times’ nesse domingo (16/08) que conta um pouco do Benedict quando ele estudava na Harrow, onde participou de suas primeiras peças de teatro, como “A Megera Domada” e “Sonhos de uma Noite de Verão”, de William Shakespeare.
Menino Cumberbatch Doma a Megera.
Por: Thomas W Hodgkinson
16/08/2015
Como Hamlet, ele é aclamado no teatro britânico, interpretando para casas cheias e rodeado por adoradores fãs. Agora surgiu uma fotografia de Benedict Cumberbatch pisando no palco de Londres pela primeira vez há mais de 20 anos atrás, com alguns de seus amigos mais próximos.
O ator indicado ao Oscar, que interpretou Petrúquio em uma produção escolar de “A Megera Domada” de Shakespeare no Globe Theatre, brilhou na peça, mas foi aconselhado pelo seu professor de teatro a não prosseguir na carreira de ator. A fotografia mostra Cumberbatch ao lado de seu professor de inglês, Jeremy Lemmon, com alguns dos 39 amigos e professores que formavam o elenco da peça. A produção foi realizada pela Escola Harrow em 1994, três anos antes do teatro abrir ao público.
A aparição de Cumberbatch em Hamlet no Barbican no centro de Londres este mês levou o valor dos ingressos no mercado negro para até 1500 libras. Apesar de anunciar que não iria se encontrar com os fãs, o ator de Sherlock cedeu aos “Cumberfãs” semana passada e deu autógrafos e posou para fotografias.
Alexander Gifford, agora diretor de teatro e dramaturgo, interpretou ao lado do jovem Cumberbatch, como um dos três cavalheiros e aparece na extremidade esquerda da foto, vestido em um figurino azul. “Benedict era a estrela completa da representação teatral em Harrow e curiosamente eu me lembro que naquela peça…foi como se ele tivesse ido a um nível totalmente novo e tinha uma vitalidade no palco e uma liberdade desinibida que era deslumbrante,” ele disse. “Eu me lembro de nosso professor de teatro, Martin Tyrrell, o aconselhando a não ser ator porque era um negócio muito difícil. Nós éramos realmente uma valiosa safra de jovens atores. Nós tínhamos Laurence Fox e Patrick Kennedy, e isso era pouco para Mr Tyrrell. Benedict se destacou como sendo extraordinariamente talentoso.”
Dois lugares para a direita de Cumberbatch está David Birkin, primo de Sophie Hunter, a dramaturga que Cumberbatch se casou em fevereiro. Birkin, sobrinho da atriz e cantora Jane Birkin, é agora um artista, mas na época da fotografia talvez acreditasse que iria se tornar um ator famoso, assegurando um papel na televisão em Star Trek: The Next Generation como o jovem Capitão Jean-Luc Picard. Kennedy, que estava na peça mas não aparece na foto, passou a se tornar um ator de sucesso, aparecendo com Cumberbatch em “Desejo e Reparação” e “Cavalo de Guerra”, como também em “Piratas do Caribe” e na adaptação da BBC de Bleak House.
Nem todos ficaram deslumbrados com Cumberbatch. “Foi amplamente difundido que algo requintado surgiu de sua interpretação, quando ele se lançava ao redor do palco e fazia tudo que podia para atormentar a dama principal,” disse Tom Hodgkinson, agora editor da revista The Idler, que interpretou outro cavalheiro na peça. Ele disse ainda que muitos dos seus contemporâneos pensavam que um menino mais novo com aparência marcante chamado Tom Hanbury iria se tornar um ator famoso. Em vez disso, ele é um consultor de arte e está estudando para ser psicoterapeuta.
Catarina, a “megera” do título, foi interpretada por Nick Luck, hoje um comentarista de corrida para o Channel 4. Um dos servos de Petruchio foi interpretado por Jamie Page Croft, que como ‘Jim Kroft’ passou a ter uma carreira musical de sucesso. Outros músicos no elenco incluem Mark Nilsson, que trabalha com publicidade mas tem, com sua banda 50Hz, produzido música para televisão, Edward Lyon é um tenor bem sucedido e Graham Walker e Oliver Gooch são maestros.
Mas alguns dos membros do elenco deixaram o mundo das artes para trás. Oliver Bingham, que fazia o papel do Nobre, é um diretor na Goldman Sachs, Robert Pollock-Hill é um procurador especializado em transporte internacional e Hugh Fraser tem e gerencia uma empresa de tradução.
Uma Vida de Ator Para Ele.
De volta ao brutal e triste início dos anos 1990, quando fazíamos peças na Escola Harrow, todos os papéis femininos eram feitos por garotos. É claro que eram. Não tinha garotas. Naquele tempo, como hoje, a escola se inscreveu para a noção distorcida que garotos adolescentes, no tenso ápice de seus desejos sexuais, deveriam ser encurralados a participar em esportes de contado cheios de suor, e interpretar papéis opostos um ao outro no palco, em dramas românticos fervorosos.
Considere “Sonhos de uma Noite de Verão”, em que os personagens principais são chamados Puck e Bottom – suficiente para te dar uma ideia geral dos temas básicos. Foi nos ensaios para essa fantasia Shakespeariana que bati os olhos pela primeira vez em um pedacinho de puberdade cujo nome, eu fiquei sabendo depois, era Benedict Cumberbatch.
Era cerca de 1990. Eu estava interpretando Hipólita, um papel que essencialmente me obrigava a falar com uma voz boba (isso brincou com todas as minhas forças) e ostentar um chapéu que se assemelhava a um grande e bordado dildo (idem). Ben, um ano mais novo que eu, era Titânia, rainha das fadas. Agora, olhando para isso, era um papel humilhante, uma coisa que realmente cheirava mal. Você pode imaginar a conversa no salão de jantar com alguns ex-sextanistas gorilas, bíceps como gaitas de foiles e se depilando três vezes ao dia. “Ei, Cumberbatch! Qual é seu papel na peça da escola, então?” Ben (chiando): “É, bem, você vê, aha, sim…” Tosse.
Ainda assim, pela maneira como me lembro, ele foi extraordinário como Titânia. Mesmo agora, eu posso recordar de uma certa risada que ele deu para acompanhar as falas “When we have laugh’d to see the sails conceive/ And grow big-bellied with the wanton Wind” (Como ríamos, ao ver as velas enfunar-se, grávidas ao parecer, sob os lascivos beijos dos ventos buliçosos). Ele a colocou, como um espontâneo, cadenciado transbordamento de alegria, entre “when” e “we”, e parecia tão natural e feito com tanta graça, que você pensaria que esse garoto era literalmente de outro planeta. Ele devia ter uns 13 anos. E ele era muito, muito pequeno.
“Sonhos de uma Noite de Verão” era uma peça sobre confusão sexual, e eu acho que nós éramos bastantes confusos, de uma maneira ou outra. Eu me lembro de um amigo próximo meu, Tom Leveritt (hoje um pintor), se apaixonando pelo ator que interpretava Antígona na produção da tragédia de Sófocles, no pressuposto que ele era uma mulher. Imagine sua briga de sentimentos, uns dias depois, quando ele avistou o garoto em questão, um cara intenso, com cabelo de esfregão, andando na rua com um blazer e um chapéu de palha, com um monte de livros.
Ben era pequeno, com características cubistas — como algo esboçado por Picasso em uma toalha de mesa depois de um almoço pesado — e um tique estranho, uma curvatura para trás em sua boca, dando às suas palavras a mais leve sugestão de um balbuciar, que ele mantém até hoje. Para a maioria, ele deve ter parecido um pouco precioso.
Teve a vez em que estávamos a caminho de Londres em alguma excursão de escola. Devia ter sido em 1992, porque Ben, Nick Luck (agora um comentarista esportivo) e eu estávamos discutindo a recente produção teatral de Hamlet, de Kenneth Branagh. Um rapaz mais velho (agora no ramo imobiliário) sentado algumas fileiras a frente no ônibus, declarou que tinha ficado tão entediado com a versão do dinamarquês de Branagh, que tinha passado a maior parte dela dormindo. Ben, um pouco mais largo a essa altura, ficou ultrajado. Como Tom Brown enfrentando algum Flashman cultural, o chamou de ignorante.
Um ator em formação? Claro. Um pouco pretensioso para um menino? Possivelmente. Todos nós damos uma risadinha, e alguns ainda podem rir. Mas provavelmente não tanto, agora que Ben é indicado ao Oscar, famoso como o melhor detetive da ficção no Sherlock da BBC, e atualmente dominando sua própria versão do maior, mais completo, mais diverso e mais comovente papel de Shakespeare no Barbican em Londres. E mesmo então, naquele ônibus, eu o admirei secretamente por amar alguma coisa e ser corajoso o bastante para admitir e defendê-la.
Um entusiasmo um pouco não-inglês, tão sem vergonha. Certamente não-Harroviano. Essas coisas acontecem em fases, sem dúvida, mas Harrow naqueles dias era uma ressaca distópica, estática e anti-meritocrática: uma Elsinore arruinada, com 100 Claudius para cada Hamlet. Se, no palco agora, Ben quiser lembrar como é ser o único que se importa, em um mundo de bajuladores e criminosos, ele só precisa olhar para seus dias escolares. Mas não pense que eu sou ingrato. Alguns pontos brilhantes permanecem.
Havia uma revista satírica indecente chamada Goulash, para a qual Ben, Leveritt (o pintor confuso) e eu, e sem dúvida Dantzic e Luck, contribuímos. Havia o fato de que Byron tinha estado lá: o barão louco e malvado, que, com seu buquê de cabelo e casacos Regency longos, com certeza devia ter tido alguma influência no Sherlock alienado e angular de Ben. E havia a maravilhosa tradição da escola de apresentar peças de Shakespeare.
Isso foi mantido por um professor idoso encantador que se assemelhava a um sapo elegante e se alegrava no nome imelhorável de Jeremy Lemmon. Vestido contemporâneo? Não, eram calças apertadas e rufos empoeirados, brocados comidos por traças carregando as manchas de eras passadas. Em outras palavras, enorme diversão.
Obviamente, teria sido muito mais legal se as meninas estivessem envolvidas, mas pelo menos a visão embaraçosa de meninos de maquiagem e sutiãs push-up tinha o ar mofado de autenticidade: era assim que as coisas eram feitas na época de Shakespeare. A frase “Frailty, thy name is woman!” (Fragilidade, nome de mulher) devia ter carregado uma segunda picada em um palco sem nenhuma mulher à vista. Tanto mais na ausência de alguém, de qualquer gênero, que tinha mais de 18 anos.
Li em algum lugar que Ben recebeu a chance de interpretar Hamlet na Harrow, mas recusou para se concentrar em suas notas A. Não me lembro disso. O que eu lembro é que, em 1994, ele interpretou o papel principal roister-doister de Petrúquio na produção escolar de A Megera Domada: mais misoginia divertida do cisne de Avon.
Eu estava naquela produção, também: desta vez, interpretando um dos “Cavalheiros”. Não era um papel pivotal. Minha tarefa principal era ficar em volta em um gibão laranja (veja a foto, que também revela o penteado cômico que estava usando na época) e emitir uma risada masculina toda vez que alguém dissesse alguma coisa. Por algum motivo, não conseguia acertar. Quando eu tentava, era como estivesse meramente gritando as palavras “ha-ha-ha”. Eu soava raivoso.
Tivemos a chance de apresentar a peça no teatro South Bank’s Globe (antes da abertura oficial), graças à amizade de Lemmon com o fundador do instituto, Sam Wanamaker. A atriz Joanna Lumley, me lembro, estava na plateia. E lá estava eu, latindo como uma hiena. Claramente, minha alegria forçada não foi tão boa quanto a risada musical de Ben como Titânia. Igualmente claramente, eu não tinha o que era preciso para me tornar um ator. A questão era: Ben tinha?
Os papéis de Sherlock Holmes e Hamlet, Príncipe da Dinamarca, têm alguns traços óbvios em comum. Ambos são intrusos, as sensibilidades deles mais bem afinadas do que daquelas dos bandidos e burros ao redor deles. (Hamlet, lembre-se, também tem um crime a resolver.) Ambos são, dos jeitos diferentes deles, teatrais. Sherlock tem seus adereço, seu cachimbo e chapéu de feltro, enquanto Hamlet passa a maior parte do tempo “agindo” como louco, e até produz e dirige uma peça para pegar Cláudio. Ambos ficam inquietos com mulheres, preferindo a companhia de seus respectivos homens braços-direitos, Dr. Watson e Horácio. O que estou tentando dizer é, em uma maneira de falar, ambos são Harrovianos talentosos.
Se Ben conseguir no Barbican nesta temporada, ele terá motivo para ser grato a Harrow por mais do que sua tradição teatral. Ele ficará devendo uma gorjeta de chapéu, também, para as sombras e anarquia dela. E se alguém não entender totalmente meu significado, assista à performance de Malcolm McDowell no Se… de Lindsay Anderson, que faz o argumento com mais expressividade do que eu conseguiria reunir.
Para voltar, finalmente, ao Globe, e àquela pergunta que fez as rondas no verão de 1994: Cumberbatch tinha futuro como ator? Curiosamente, entre nós conhecedores, era amplamente aceito que algo rebuscado tinha penetrado em suas performances, enquanto pulava pelo palco como Petrúquio e fazia tudo o que podia para atormentar sua protagonista (interpretada por Nick Luck em traje provocante). Havia um rapaz mais novo chamado Tom Hanbury — mais alto, mais bonito e com uma expressão ligeiramente triste ou emotiva — que, nós iconoclastas sugerimos, poderia, possivelmente, ser o ator mais talentoso. Tom agora é um consultor de arte.
Thomas W Hodgkinson é o autor de Memoirs of a Stalker, a ser lançado em outubro pela Silvertain Books.
Fontes: The Sunday Times / Londonphile | Tradução: Juliana e Aline.