A edição de 23-29 de setembro da revista de entretenimento britânica Radio Times traz uma matéria sobre The Child in Time, incluindo comentários feitos por Benedict e o roteirista Stephen Butchard numa entrevista coletiva concedida a várias fontes midiáticas. Confira abaixo a tradução e os scans da revista:
”O ponto de partida era eu”
Benedict Cumberbatch diz que interpretar um pai sofrido pareceu pessoal – e o roteirista Stephen Butchard revela a história de amor por trás da dor em seu arrebatador novo drama sobre o desaparecimento de uma criança
Por Kasia Delgado
Como você suportaria o desaparecimento de seu filho? Essa foi a realidade horrorizante que Benedict Cumberbatch, pai de duas crianças pequenas, teve que enfrentar em seu papel em The Child in Time, a adaptação feita pela BBC1 do romance de Ian McEwan sobre um homem cuja filha é raptada no supermercado, lançado em 1987. É um relato angustiante e doloroso de tortura parental.
”Houve um momento’’, diz Cumberbatch, ”em que eu disse para o diretor, ‘temo estar ficando transtornado demais nessas cenas’. Eu suponho que seja mais fácil imaginar (sendo pai), mas não é tão difícil assim de se imaginar. Essas circunstâncias são angustiantes…..Elas são inimagináveis para qualquer pai ou mãe, para qualquer pessoa que tem crianças em sua vida. É horripilante e muito, muito inquietante’’.
Particularmente comovente para Cumberbatch foi uma cena no filme de 90 minutos em que seu personagem, Stephen Lewis, um escritor de livros infantis, acha que viu sua filha Kate de novo, três anos após ele a ter perdido de vista. ”Tudo se abre com um martelo duplo de tristeza: ele está reimaginando aquela perda, vivenciando tudo aquilo de novo, e sentindo a humilhação de correr atrás de uma garotinha que ele acha que é sua filha’’.
Quando publicado há três décadas, o romance de McEwan venceu o Whitbread Award e foi declarado ”uma conquista extraordinária’’ pelo The Guardian, enquanto que o The Times concluiu que ”artisticamente, moralmente e politicamente, ele brilha’’. Christopher Hitchens o chamou de ”a obra-prima’’ de McEwan, e o livro passou a ser estudado por estudantes de GSCE e A-level por toda a Grã-Bretanha.
”Sou louco pelo McEwan’’, diz Cumberbatch, falando para a Radio Times durante um evento de divulgação do drama para a imprensa, ”e eu não acho que teria ficado tão interessado na história por si só se não fosse uma adaptação do trabalho tão maestral que é o romance original de Ian McEwan”.
Também foi o personagem principal que atraiu Cumberbatch – um homem comum de classe média casado com Julie, interpretada de forma tocante por Kelly Macdonald. ”Eu tinha um desejo de interpretar alguém mais parecido comigo’’, diz o ator de Sherlock. ”Alguém que não exigia algumas horas na maquiagem ou uma boa quantidade de estrênuo mascaramento ou alguma coisa transformativa’’, ele diz.
”No que diz respeito a saber como eu ia interpretar Stephen, foi bem angustiante – foi a primeira vez que fiz isso em algum tempo. Sou eu, no sentido de que não há uma grande diferença na qualidade vocal, no jeito de me movimentar. Eu até queria me sentir realmente relaxado no figurino, então trouxe minhas próprias roupas, nós usamos algumas’’. De fato, hoje ele está vestindo uma jaqueta azul escuro e calças idênticas às que Stephen veste no filme. ”O ponto de partida era eu’’, ele diz.
Enquanto o romance de McEwan é ambientado no governo Thatcheriano- e é um retrato condenatório dele – o drama da BBC perde sua crítica política, existindo numa era não descrita com um primeiro ministro homem cujo partido político não é especificado. Ao invés disso, o drama foca no relacionamento entre Stephen e sua esposa no despertar de seu trauma doméstico.
”O livro ficou em mim desde que o li há 30 anos’’, diz o roteirista Stephen Butchard, ”e, para mim, ele sempre foi uma história de amor mais do que qualquer outra coisa, dessas pessoas que encontram força para continuar’’.
Também central para o drama é a questão de como nós devemos educar nossos filhos, e o quão envolvido o governo deve ser. ”Você sempre vai discutir sobre isso’’, diz Cumberbatch, ”porque estamos criando crianças o tempo todo e tentando fazer melhor. Mas, na verdade, é um drama focado nos relacionamentos”.
O drama lindamente filmado observa como um casal lida com uma coisa com a qual eles nunca pensaram que teriam que lidar – mas, ao lado do tormento, há uma sensação de esperança.
Então o que McEwan achou dessa versão focada nos relacionamentos de seu romance? ”Na verdade, Ian ficou extasiado com as coisas que Stephen deixou de lado’’, diz Cumberbatch. ”Ele disse, ‘Se eu estivesse escrevendo o livro agora, eu provavelmente ia querer fazer o mesmo tipo de edição nele – realmente focar nos relacionamentos’. Ele achou que ficou mais poderoso por causa disso’’.
McEwan participou da leitura do roteiro, mas fora isso deixou Butchard e o elenco fazerem tudo da forma como queriam fazer. ”Ele estava animado com o trabalho que Stephen já tinha feito, então suas observações foram poucas e muito úteis’’, diz Cumberbatch.
”Se ele tivesse oferecido qualquer coisa [sobre o papel], eu teria aceitado, mas ele simplesmente foi quietamente respeitoso. Ele disse ‘Olha, se tem alguma coisa que você gostaria de me perguntar, sinta-se à vontade para me ligar, a porta está sempre aberta’. Talvez daqui a anos após o filme ter sido exibido, eu perguntarei para ele o que ele achou’’.
O sequetro de crianças tem sido o tema de uma avalanche de dramas televisivos nos últimos anos, desde o thriller da ITV The Guillty e o The Missing da BBC1 até The Moorside, a dramatização do caso Shannon Matthews lançado este ano pela BBC1. Butchard ficou preocupado com a possibilidade de The Child in Time ser visto como outro drama medonho sobre sequestro? Ele temeu que a audiência estivesse cansada?
”Eu pensei nisso sim’’, ele diz, ”e eu escrevi o roteiro e esperei 18 meses e isso foi em parte porque parecia haver um excesso de dramas sobre crianças desaparecidas, em sua maior parte relacionados ao crime, e thrillers. Até mesmo Broadchurch, que não era abertamente sobre sequestro de crianças, tocou no assunto. Eu sabia que The Child in Time era completamente diferente, mas é bom que tenhamos tido esse intervalo. Acho que agora há uma distância suficiente entre os dramas sobre sequestro de crianças e esse, que é realmente sobre a beleza de encontrar algum significado após tudo isso’’.
Enquanto Cumberbatch queria parecer, soar e se mover exatamente igual a ele mesmo enquanto interpretava Stephen, ele diz que estava determinado a não contaminar sua vida familiar com os pensamentos de agonia de seu personagem, apesar de ter que gravar algumas cenas de partir o coração 40 vezes ou mais por oito horas ao dia.
”É incrivelmente nocivo levar o trabalho para casa e eu não queria levar esse assunto para nossa vida familiar. Sophie [Hunter, sua esposa] não leu o roteiro e não tinha lido o livro, então esse é um exemplo de como eu tentei separar o trabalho [de sua vida em casa].
”A história vai afetar pessoas que a lerem e assistirem a ela, mas ao mesmo tempo é um conto enriquecedor e amoroso de resistência e cometimento ao amor –um amor que existia antes e resistirá após essa aceitação horrível de uma ausência. A salvação nesta história de perda muito, muito sombria”.
Tradução: Gi