Benedict é capa da edição de novembro da revista italiana The Lifestyle Journal, uma publicação dedicada ao estilo de vida sustentável. Numa longa entrevista realizada no Festival Internacional de Cinema de Toronto deste ano, Benedict fala sobre A Batalha das Correntes, a complexidade da natureza humana, futebol e a necessidade de se emocionar. Confiram abaixo os scans e a tradução da matéria:
Benedict Cumberbatch
Um perfeito cavalheiro inglês de 41 anos de idade. É o refinado ator de A Batalha das Correntes, filme sobre a vida de Thomas Edison, inventor da luz elétrica.
“Amo este personagem visionário que mudou o mundo, mas ele é cheio de contradições, assim como eu’’. “Sonho com a minha esposa e os meus dois filhos’’. “O meu ano num monastério no Tibete, para ter uma mente limpa’’. “Quem sabe amar? King Kong’’.
Por Giovanna Grassi
É inglês até o último fio de cabelo, o Benedict Cumberbatch. Frio com olhos frios de gelo ou um fascinante e simples cavalheiro nascido em Londres há 41 anos. Por trás de seus grandes olhos azuis se nota uma alma inquieta, destinada a aventuras, em busca do que o futuro reserva. Em resumo, um visionário. Nós o encontramos em Toronto onde ele apresentou seu próximo filme, A Batalha das Correntes, no qual interpreta o personagem de um grande precursor, Thomas Edison, o inventor da luz elétrica. “Sim – ele conta à The Life – um verdadeiro gênio, Edison, capaz de imaginar e tornar realidade coisas que transformaram a humanidade e a melhoraram. Edison iluminou o mundo, os nossos momentos sombrios e também os felizes e esperançosos. É um personagem que amei. Mesmo com suas inseguranças, seus problemas éticos e morais, o confronto difícil com George Westinghouse, inventor dos freios pneumáticos e seu rival no pioneirismo da energia elétrica’’. Ele explica: “Há luz e escuridão na personalidade de Edison, atuar com o incrível Michael Shannon (que interpreta G.Westinghouse) foi uma grande experiência. Por que até mesmo a rivalidade entre indivíduos dotados de engenho e paixão por suas visões de mundo pode gerar determinação e potencializar, entre vitórias e derrotas, a criatividade’’. “Sempre me estimulam nos personagens que escolho as visões de mundo, o sentimento de imprevisibilidade voltado a melhorar a sociedade e, principalmente, a capacidade até mesmo espiritual de combinar a imaginação e o idealismo com a sociedade. Hoje o mundo vive numa confusão perigosa, mas há figuras do passado que também nos ajudam a encontrar uma visão de mundo positiva’’.
Cumberbatch, que no passado lançou no Festival International de Toronto: O Quinto Poder, no papel de Julian Assange; e, depois, O Jogo da Imitação, no qual fez o matemático e analista de segurança de informação Alan Turing; e, ainda, 12 Anos de Escravidão, no qual interpretou com extrema propriedade o latifundiário William Ford, capaz de empatia e compreensão para com as lutas dos escravos. Culto e fascinante, Cumberbatch, que venceu muitos prêmios pelo seu Sherlock Holmes e outros pelo personagem dos quadrinhos Marvel, Doutor Estranho (Benedict o define como “o senhor das Artes Místicas’’), é sempre estimulante e surpreendente nas entrevistas. Por ser um visionário, perfeccionista em relação aos detalhes de sua profissão de ator, mas também um sonhador e pesquisador. Basta lembrar que ele passou, após terminar os estudos na Universidade de Manchester, um ano sabático num monastério tibetano. Ele diz: “Eu lecionava inglês e estudava o meu próprio eu e minha adaptação ao mundo, o que me preveniu de perder uma integridade específica na profissão de ator em que eu queria entrar naquele que seria o meu futuro. Sim, estudar cada papel que eu recebo me fornece um seiva vital, expande a minha mente. Quando estava me preparando para me tornar William Ford em 12 Anos de Escravidão, descobri que ele foi um dos primeiros a conseguir uma concessão de terra em Louisiana e que também era um pastor, convencido de que seus escravos eram ‘filhos de Deus’, mesmo que também tivesse que aceitar as regras do sistema, o racismo que nega a igualdade, as próprias fragilidades. Por outro lado, é justamente o dualismo da nossa natureza suspensa entre o bem e o mal que frequentemente nos ensina humildade e consistência, com todas as suas fraturas e contradições do ser humano’’. Em breve o veremos em Vingadores: Guerra Infinita e em Thor:Ragnarok, mas Benedict também é bastante ativo no teatro (a crítica inglesa definiu sua interpretação do shakespeariano Hamlet como “uma das melhores e mais ardentes dos últimos vinte anos’’), para a TV está terminando como protagonista e coprodutor a série Patrick Melrose, adaptada dos romances de Edward St. Aubyn, populares na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. Na Itália, eles foram publicados pela Editora Neri Pozza.
Cumberbatch é considerado um extraordinário ator de teatro. Ele levou seu Hamlet ao National Theatre de Londres para celebrar o quadringentésimo aniversário da morte de Shakespeare. E a gravação que fizeram dele rodou o mundo. Benedict explica: “A gravação faz parte da minha visão de uma união fértil entre o teatro e o cinema. A ideia que coloquei em prática com Hamlet propõe recapturar espetáculos teatrais, no idioma original e com legendas. Levar o teatro, graças ao cinema, a um público maior pelo mundo todo, significa para mim transformar e realocar a transitoriedade de uma apresentação a longo prazo. Mas, além desses meus empenhos culturais e profissionais, eu também tenho uma visão lúdica da vida, do trabalho, da minha feliz vida privada com minha esposa Sophie Hunter, ativíssima como diretora de teatro vanguardista’’. “Nós nos casamos na Ilha de Wight e temos dois filhos esplêndidos, Christopher e Hal. O segundo ainda não tem um ano, mas vejo os futuros dos meus filhos ricos em promessas. Porque sou otimista, independentemente do que acontece num mundo que só consigo descrever com um adjetivo: desordenado. Um mundo que me viu, assim como muitos outros ingleses, derrotado na batalha para que o Reino Unido permanecesse na União Europeia’’. Pensativo, ele continua: “Eu me pergunto o que acontecerá com tantas pessoas que acreditaram na potencial força da União Europeia. Eu tenho confiança nela também como ator e produtor e quero lembrar que, sem a colaboração europeia, filmes como O Jogo da Imitação e Quem Quer Ser Um Milionário? e tantos outros não teriam sido produzidos.’’
“O que podemos fazer contra a desordem do mundo de hoje? Não sei responder, mas posso dizer que, individualmente, devemos escolher fazer a nossa parte com honestidade e dedicação’’. Seguir em frente no meio da confusão nem sempre é fácil. Ele também pensou nisso ao interpretar Edison, num filme ambientado em 1879, mas filmado hoje, que parece impossível imaginar nossa realidade atual sem a luz elétrica? “Claro que pensei nas várias contradições da sociedade e dos indivíduos. Até mesmo porque, A Batalha das Correntes é baseado na rivalidade entre dois inventores e pesquisadores geniais e fala de orgulhoso ferido. Porque há suspense na história verdadeira, porque somente um dos protagonistas estava destinado a vencer. No roteiro, há vinganças, agressões verbais, luta também pelo dinheiro. O mundo segue em frente, mas a essência da natureza humana e a da sociedade em nível mundial ou local continuam parcialmente misteriosas. Eu continuo a me considerar um ator europeu atraído seja pelo estudo da física quanto da magia. Talvez isto signifique ser um visionário numa época que colocou o consumismo como base da nossa passagem pelo mundo. Quero dizer que você precisa sempre ser versátil no mundo contemporâneo e nunca rígido ou um consumidor descontrolado’’. E ri: “Por isso é que quero fazer filmes seríssimos, biografias atentas ao presente ou passado reais, mas depois me divirto vestindo a capa do meu Strange e fazendo um modelo andrógeno chamado All em Zoolander. Ou dando voz ao Necromante em O Hobbit – A Batalha dos Cinco Exércitos’’.
Você nunca considera um pouco de falsidade no trabalho como ator?
“Nunca, e muito menos quando tento dar vida aos pensamentos e às inquirições do meu Sherlock Holmes que se opõe à personalidade antagonista e criminosa do professor Moriarty. Precisamos, repito, de desavenças e adversários para ir adiante. É o que Arthur Conan Doyle nos ensinou com seus livros’’.
Você interpretou mais personagens heroicos, mas também alguns vilões e malfeitores apavorantes. Qual é, na sua opinião, um verdadeiro herói do cinema?
“Não tenho dúvidas. É o King Kong, que sabe se apaixonar e romper correntes. Sem sentimentos não se vive, não se sonha, você se congela, e nossa viagem deve sempre ter movimento. Sou um privilegiado, porque ser ator significa também se mover para mentes e lugares e situações sempre diferentes’’.
Você trabalhou com Meryl Streep em Álbum de Família, levou o romance de John Le Carré, O Espião Que Sabia Demais, às telas com seu amigo Gary Oldman, foi dirigido por Steven Spielberg em War Horse...Você se lembra de algum filme seu de maneira especial?
“Amo os filmes adaptados de livros que me deram alguma coisa e quero lembrar Desejo e Reparação, adaptação do livro de Ian McEwan, um autor que leio sempre e que é um dos meus favoritos. Eu não fui o protagonista, que foram atores que estimo, como James McAvoy, Saoirse Ronan, Keira Knightley e a grande Vanessa Redgrave. Ainda tenho grande afinco por esse filme ambientado em 1935, porque é visto, assim como no livro, pelos olhos da Briony, uma adolescente de treze anos no período de sua pré-adolescência. Briony tinha uma imaginação fervorosa, acredito que seja uma grande qualidade da juventude que não devemos perder jamais, e o filme combina a vida e a morte, a paz e a guerra, o medo e a esperança. Este, entre tantos outros de mais sucesso e popularidade, é o filme em que atuo que eu escolho e que, no momento e na idade certos, mostrarei para os meus filhos’’.
Você, de forma unânime, é considerado hoje um dos melhores e mais carismáticos atores teatrais e cinematográficos. Você também foi nomeado Commander of the British Empire pela Rainha Elizabeth II do Reino Unido “por seu trabalho e por seus empenhos filantrópicos’’. Acontece de você se perguntar o que teria feito se não tivesse virado ator?
Sou fã do Arsenal desde sempre. Há harmonia, ritmo, competição saudável, agilidade mental e física numa partida, e isso me diverte, como se eu ainda fosse um garotinho, pensando que eu gostaria de ter sido um jogador de futebol.
Qual é a bagagem que você traz do ano em que você passou no monastério tibetano?
“A capacidade de regenerar corpo e mente com cada nuance possível da consciência, como indivíduo e como parte da comunidade. Depois me tornei tantos personagens diferentes nas telas e a eles eu levei alguma coisa daquele ano que passei viajando pela mente. O mundo precisa da força dos visionários e ir para além dos momentos. Até Edison fez isso e, por isso, amei muito A Batalha das Correntes. Edison soube projetar seus projetos no futuro, talvez tenha sido o clarividente Steve Jobs de seu período histórico.’’
Raramente acontece de um ator agradecer um jornalista qualquer por seu trabalho em uma entrevista. Cumberbatch, com olhos claros e alguns fios brancos entre os cabelos, faz isso antes de ir em direção a outro filme seu, como um autentico – e usemos a palavra que ele falou com frequência na entrevista- story maker. Um criador de histórias.
Tradução: Gi