É com muita alegria que compartilhamos com vocês esta entrevista inédita do Benedict sobre Patrick Melrose, concedida por ele durante a coletiva de imprensa para divulgação da minissérie que aconteceu no hotel Four Seasons de Los Angeles no ano passado.
Gostaríamos de agradecer Ana Maria Bahiana, jornalista cultural, escritora e editora chefe do site oficial da Hollywood Foreign Press Association, por ser tão atenciosa, incrivelmente gentil e acreditar no nosso trabalho a ponto de confiar o dela ao nosso site. Patrick Melrose é um projeto muito especial para o Benedict – por motivos pessoais e profissionais – e estamos extasiadas por termos mais informações sobre o processo criativo por trás de um personagem tão importante para ele e para sua produtora. Muito obrigada, Ana.
Sem mais delongas, eis a entrevista! Esperamos que vocês gostem!
Quem quiser pode conferir a versão original em inglês aqui. You can check the original English version here.
Por Ana Maria Bahiana
Ele chegou na hora, parecendo cansado, mas animado. Pediu um chá de gengibre para uma assistente e imediatamente respondeu uma pergunta que ninguém tinha cogitado: “Eu peço desculpas. Posso dizer uma coisa, antes de mais nada? Estou com uma ressaca horrível, o que é perfeito para falar sobre Patrick Melrose, então vocês terão que me desculpar. Não se tem a chance de lançar um filme tão grande quanto Vingadores com frequência, então…Obrigado. Só queria avisá-los, para o caso de eu soar incoerente’’.
Era abril de 2018 e na noite anterior ele havia ido com os outros Vingadores à première e after-party de Guerra Infinita. “Eu amei, é tão bom poder ver todo mundo junto de novo’’, ele comentou. Quando o chá chegou, ele pareceu um pouco surpreso – o hotel (nós estávamos num hotel de luxo nos arredores de Beverly Hills) mandou uma xícara de chá normal com alguns pedaços de gengibre adicionados. Mas, cavalheiro como sempre, ele foi grato e compreensível com a assistente que, em tantas outras ocasiões, provavelmente teria sido repreendida por estrelas de escalão bem inferior ao dele: “Você é tão gentil’’, ele disse. “Eu geralmente cozinho o gengibre junto com o chá e aqui eles apenas colocam o gengibre dentro, por isso fica fraco, mas obrigado’’.
E então passamos a discutir o trabalho complexo por trás de Patrick Melrose, a minissérie incrível dos canais Showtime e Sky, baseada nos livros consideravelmente autobiográficos de Edward St. Aubyn.
Você provavelmente ainda está no clima de Vingadores, mas… Podemos mudar de direção um pouco e falar sobre Patrick Melrose? Como você conheceu o personagem?
Como leitor, acho que, ao ler esses livros, qualquer ator diria “Cristo, que material incrível para uma interpretação, que experiência rica seria trabalhar esse arco narrativo num pano de fundo extraordinário”. São 55 anos da vida de um homem, desde o garotinho, com cinco anos de idade, sofrendo o abuso nas mãos do pai, o que o levou ao vício, à autodestruição, aniquilação, e um tipo de sobriedade sem propósito, sem sentido, que não leva a nada, até estar casado e com filhos e assim em diante. Sabe, a eventual jornada à salvação, o retorno ao vício e a traição final de uma mãe desalmada. Mesmo que eu não fosse um ator, a leitura me prenderia.
É um drama tão complexo… Como você descreveria os temas da série?
Ela meio que é um conto universal sobre paternidade, abuso, vício, recuperação, e salvação no final. E é mordazmente engraçada e, você está certa: como ator, enquanto existem lugares obscuros para escavar, o material é rico. O tipo de coisa que você quer deixar – bom, eu sempre tento deixar meu trabalho no ambiente de trabalho, quando fecho a porta de casa – mas foi uma jornada maravilhosa na qual me aventurei. E eu meio que sou duplamente perfeccionista em relação a ela, por conta do meu envolvimento como ator e como produtor, obviamente, mas também para proteger não apenas o legado desses extraordinários trabalhos de ficção, mas por ele ser um alter ego não propriamente velado, autoproclamado do escritor. E ele tornou-se um amigo querido no processo. Esse, na verdade, foi um dos maiores privilégios: ter tido a chance de conhecê-lo.
Como o projeto da série foi desenvolvido?
Eu não tenho muita certeza quanto aos detalhes disso, por vários motivos. Não estou escondendo informações. Não há segredos aqui. Graças a Deus eu realmente posso falar sobre alguma coisa [risos], com completa transparência – mas estou muito incerto, porque foi demorado. Eu li os livros e disse no Reddit – quando me perguntaram quais papéis eu queria interpretar – eu disse “Eu gostaria de interpretar Hamlet, em algum momento, e eu gostaria muito de pelo menos fazer parte, se não chegar a interpretar Patrick, na adaptação dos romances de Patrick Melrose’’. E isso foi parar no ouvido do Michael Jackson, coprodutor com sua esposa Rachel Horovitz, e ele poderá lhe dizer e ele está aqui. Posso colocá-lo numa saia justa, porque sou sempre péssimo nisso? [Acenando para o produtor executivo Michael Jackson, que está num canto, tentando desaparecer da sala minúscula de hotel]. O quão rápido você encontrou o John, meu agente? Foi bem rápido, não foi?
MICHAEL: Imediatamente [risos].
BENEDICT: E quando foi que nos encontramos? Foi na viagem que eu fiz na época da entrevista para o Reddit? Foi na mesma viagem?
MICHAEL: Alguém compartilhou o link do Reddit no Twitter. Nós o vimos no Twitter e então ligamos para o John.
BENEDICT: Então foi tudo através das redes sociais? Foi a primeira vez que eu expressei algum interesse e foi de forma espontânea. Eu não estava atrás de nada, sabe? Eu nem sabia que você tinha os direitos. Eu não sabia que um projeto existia. Eu só sabia que alguém, em algum lugar, devia estar pensando nisso.
Um dos elementos mais impactantes da série é a forma realista com que o uso e o abuso de drogas é retratado. Você trabalhou com [o escritor Edward St Aubyn] nisso? Como foi seu processo para alcançar o realismo nas cenas envolvendo drogas?
Ele foi completamente transparente sobre suas experiências e onde elas se equiparavam ou não às de Patrick. Eu também consultei um casal maravilhoso, marido e mulher, chamados Cheryl e Russell – Drs Russell, na verdade – que, em parte por conta do trabalho na Universidade de Liverpool estudando vício – eles são um casal extraordinário que também foram igualmente transparentes e generosos sobre os motivos por trás do vício (…), o mapeamento psicológico dos tipos de personalidade, e como [o vício] ocorre em algumas situações que são universais. Como vocês verão, ele vive num mundo muito branco e privilegiado, mas quando ele chega ao fundo do poço e pede ajuda, ele está numa sala com pessoas de todas as classes sociais, e isso diz muito sobre o vício: o poder, a amplitude, a força do que essas substâncias podem fazer quando você está numa posição – por vários motivos. No caso dele, por conta do abuso – de ter uma personalidade com tendência ao vício, uma personalidade obsessiva com desejo de autodestruição ou a dar a si mesmo amor ou uma fugir de sua realidade.
E, quando o conhecemos, ele é um viciado rico totalmente dominado pelo vício em cocaína e heroína, alguém que está meio que se levando ao extremo e a um possível fim. Então, eles ajudaram muito, muito com isso, e também com toda a parafernália e como fazer as coisas – seja injetar, preparar ou cheirar, tudo isso – então foi interessante. Eu sentia que precisava fazer isso direito. Quero dizer, essas substâncias têm efeitos enormes no seu corpo, bem como na sua psicologia, então saber como retratar isso sem nunca tê-las usado é, bom, é intenso. E eu tive que trabalhar nisso continuamente, ensaiando e expressando isso fisicamente, questionando “É assim que se faz? É preciso fazer mais? É caso de espasmos corporais ou o corpo simplesmente entra num estado – como chamamos quando um corpo morre? Rigor mortis – ou com heroína é sempre relaxante? Há sempre um vestígio de dor? Por que as pessoas injetam heroína – primeiro cocaína e depois heroína? Por que elas não combinam tudo ao mesmo tempo?”. Essas coisas, essas linhas tênues que você precisa compreender, porque é toda uma ciência. Realmente é ciência. Essas pessoas estão experimentando em seus corpos com kits químicos, sabe, e substâncias químicas, ainda por cima. Então, você precisa saber o que você está fazendo, sim.
Como foi seu relacionamento com Patrick Melrose, o personagem? Ele é, digamos assim, um homem muito complicado.
É uma ótima pergunta. Como eu sempre digo nesses casos, eu deixo meu trabalho na porta de casa, eu meio que preciso deixá-lo de fora e eu tenho muitas coisas fora do meu trabalho no momento que fazem isso instantaneamente, então eu preciso colocá-lo de lado, sabe? Coisas muito maiores concentram minha atenção quando eu paro de atuar, e graças a Deus isso acontece. Mas também é um trabalho difícil, e existe um desejo real de ir até o final. E eu acho que, como você disse, você meio que se sente engajado e envolvido, mas pode ser bem difícil às vezes. Você se preocupa com o cara o suficiente para ir até o final, então a outra coisa da qual também precisamos lembrar é: esses são momentos da vida dele e existe salvação. No final das contas, essa é uma história de salvação.
O trabalho em Patrick Melrose o fez pensar sobre paternidade, sobre ser um pai?
Eu não sou de falar sobre paternidade e meus filhos em público, mas eu diria que, sabe, cada experiência de vida tem algum tipo de marca educativa, todas as suas experiências exercem algum efeito em você. Não direi especificamente nem nada, mas direi que o Teddy [o escritor Edward St. Albyn] é um pai extraordinário, mesmo tendo sofrido horrores tão grandes nas mãos do pai dele. Ele é um amigo carinhoso, bondoso, maravilhoso para o seu filho, que eu conheci e é maravilhoso. Ele inclusive aparece ao fundo em algumas cenas, o que é divertido. [Aprendi] muito com os meus próprios pais, sim. Muito. Existem as diferenças geracionais, mas elas são esperadas e seria estranho se não existissem algumas, mas, não, eu os adoro. Eu não poderia ter desejado uma infância melhor. Se eu estiver fazendo metade do trabalho que eles fizeram, então estou fazendo alguma coisa direito.
O processo fez com que você pensasse em obsessões no geral? Você tem obsessões?
Qual é o meu vício? Eu diria que tenho bastante – qual é a palavra? – temperança. É, eu não fico obcecado pelas coisas. Nunca fiquei. As pessoas dizem “você é fã dos quadrinhos?’’. Agora, sim, porque estou lendo-os. Eu nunca tive uma coleção de brinquedos de um tipo específico, sabe? Quando eu era criança, eu tinha um interesse por certas coisas por um tempo, mas eu sempre tive interesses bem variados e eu não digo isso com orgulho. Eu teria amado ter sido obcecado por um time de futebol, sabe, obcecado pelo drama da coisa. Eu teria amado dizer que era obcecado por certos programas de TV, mas não me lembro de nada que tenha sido particularmente importante. Temo que esta seja uma resposta meio sem graça.
Você tem uma quantidade de fãs chocante espalhada pela internet. Você interage com eles de alguma forma?
Não, não interajo, mas eu compreendo, o que é diferente de interagir. Eu não interajo, mas eu compreendo no sentido de que é legal saber o que as pessoas estão fazendo ou qual é a opinião delas sobre alguma coisa ou, então, se não tem como você conhecer alguém porque essa pessoa está em outro país, existe um lugar para as pessoas conversarem e isso tem unido pessoas e ajudado pessoas, servindo como uma distração, fazendo-as focar em outras coisas ao invés das coisas negativas em suas vidas, então, sim, a natureza da coisa é muito positiva. Também existe o extremo, que pode ser negativo – por isso que eu não interajo, por causa dos extremos – mas eu acho que, contanto que seja inocente, contanto que as pessoas se divirtam e tenham a chance de se conhecerem e sejam generosas, está tudo bem.
Tradução: Equipe Cumberbatch Brasil | Revisão: Ana Maria Bahiana