Confira uma entrevista com Benedict publicada no site Independent.co.uk, em que o ator fala sobre Ricardo III, que ele interpreta na série The Hollow Crown, e sobre o legado de Shakespeare.
“Existe uma trajetória real para a jornada de Ricardo. Ele não é apenas a alegoria medieval de um vilão que muitos críticos disseram que ele é. Há uma grande sutileza e muita história passada deste personagem”
Por James Rampton
531 anos depois de sua morte, Ricardo III ainda divide opiniões. Mesmo hoje, ele tem muitos apoiadores apaixonados. Eles sentem que a peça histórica de William Shakespeare traduziu muito o monarca.
Alguns deles estão particularmente furiosos com a nova adaptação da BBC2 da peça, que sai como a parte final do aclamado ciclo Hollow Crown no sábado, 21 de maio. Eles afirmam que esta interpretação estrelando Benedict Cumberbatch como um Ricardo III intenso e amargurado deturpa o Rei.
Cumberbatch, que, foi revelado no ano passado, é primo de segundo grau de 16 gerações de Ricardo III, me diz que tem alguma simpatia com os apoiadores do Rei, cujos restos mortais foram descobertos há três anos em um estacionamento em Leicester. “Eu entendo muito que para essas pessoas ele é um Rei muito amado que elas sentem que foi caluniado. Eu entendo. Afinal de contas, eu sou um parente muito próximo dele! Embora agora que o corpo dele foi encontrado, posso de repente descobrir que eles cometeram um erro de DNA comigo!”
Relaxando em um bar sofisticado do centro de Londres e bebericando um coquetel, o ator transpira uma inteligência e charme tranquilo que podem surpreender as pessoas que o confundem com o seu alter ego mais famoso, o irritável e nervoso Sherlock.
Cumberbatch é igualmente divertido quando chega a discutir o fim de Ricardo III. “Me sinto muito sortudo de ser quase o último de pé nesta peça. E não, isso não é um spoiler. A peça esteve aí por mais de 400 anos. Definitivamente você pode imprimir isso – Ricardo não consegue. Ou talvez ele volte no fim e diz, ‘Sentiu minha falta?’ Ou talvez ele pudesse reaparecer em um estacionamento!”
O filhos dos atores Timothy Carlton e Wanda Ventham, de 39 anos, Cumberbatch estudou na Universidade de Manchester antes de receber um Mestrado de Artes em Atuação Clássica na London Academy of Music and Dramatic Art [Academia de Música e Arte Dramática de Londres].
Graças a performances fores em trabalhos como Hawking e Desejo e Reparação, Cumberbatch construiu rapidamente uma reputação muito boa como ator. Mas a carreira dele se transformou em 2010 quando recebeu o papel-título em Sherlock, a releitura da era moderna de Steven Moffat e Mark Gatiss das histórias clássicas de Sir Arthur Conan Doyle. A série foi um sucesso mundial do dia para a noite, e para Cumberbatch, se provou um divisor de águas global.
Ele continuou a prover performances memoráveis em O Hobbit, O Espião Que Sabia Demais, Além da Escuridão: Star Trek, 12 Anos de Escravidão e O Jogo da Imitação, pelo qual ganhou uma indicação ao Oscar de Melhor Ator.
Sem dúvida, o sucesso global de Sherlock ajudou Cumberbatch a receber papeis como Ricardo III. Mas ele ainda fica apelativamente surpreso com o perfil mundial de Sherlock. De acordo com Cumberbatch, “A coisa chocante nisso é que as pessoas que para mim têm sido ícones para sempre têm chegado a mim para dizer o quanto eles o adoram. Quando Meryl Streep me disse, ‘Eu adoro Sherlock‘, eu pensei, ‘Isso é tão errado!'”
O ator prossegue a considerar se existem similaridades entre ele mesmo e Sherlock. “É melhor você perguntar você perguntar para as pessoas que me conhecem, como a minha mãe! Provavelmente há algumas similaridades. Quando eu o estou interpretando, me vejo olhando para os sapatos e a linguagem corporal as pessoas e tentando deduzir coisas delas. Eu faço isso porque tenho um interesse profissional. Mas temo ser uma droga nisso!”
Vestido com uma camisa de marinheiro francês listrada de azul e branco e calças escuras, Cumberbatch está em forma muito relaxada hoje. Ele parece estar aproveitando o tempo de inatividade depois da experiência frenética de interpretar Ricardo III. O Rei de Cumberbatch é um homem ferozmente conduzido empenhado em se vingar das muitas desfeitas que sofreu ao crescer.
Mas, o ator discute, Ricardo III não necessariamente é o vilão implacavelmente cruel como muitas fezes é retratado; Shakespeare tem muito mais nuances do que isso. “Existe toda essa mitologia em volta de Ricardo. Ele provoca uma polaridade de opiniões. Ele é um cara mal que matou os Príncipes na Torre ou é um cara bom que foi muito caluniado pela peça? Nós não sabemos mesmo. Muito do que temos ainda é relações públicas.”
“Poderíamos ter tido um aviso de isenção no começo da peça dizendo, ‘Escrita por William Shakespeare, que era dramaturgo na era elizabetana, sobre o último Rei Plantageneta. Elizabeth era a filha de Henrique VIII, um Tudor, por isso seu declive’.”
Ricardo passa a maior parte da peça, que também estrela Dame Judi Dench como Cecily, mãe de Ricardo, Sophie Okonedo como a Rainha Margaret and Keely Hawes como a Rainha Elizabeth, mandando seus criados fazer seu trabalho sujo e aniquilando seus rivais para The Hollow Crown. Algumas das ações brutais dele fazem Game of Thrones parecer peça de escola.
Mas Cumberbatch, que é casado com a diretora Sophie Hunter e é pai de um filho pequeno, insiste que a violência em Ricardo III nunca é gratuita, “Não é simplesmente tentando chocar as pessoas. É dizendo, ‘Olhe o que nós somos capazes.’ É sempre dentro do contexto, e é sempre um teste de moralidade.”
Então o que faz Ricardo III ter tanta fome por poder? Cumberbatch, que leu um poema do poeta Laureate Carol Ann Duffy na cerimônia de enterro dos restos mortais de Ricardo na Catedral de Leicester ano passado, traça a ambição ardente do monarca deficiente de volta a sua infância profundamente infeliz.
“O importante é que desde o começo, Ricardo nasce nessa família de Adônises, de atletas de proporções perfeitas. Ele é a ovelha negra da família. Ele é excluído e deixado em casa cuidando das crianças – que não é um lugar para um homem no mundo medieval, onde é seu dever sair para lutar.”
Então, Cumberbatch completa, “Há uma trajetória real para a jornada de Ricardo. Ele não é somente aquela figura medieval de um vilão que muitos críticos disseram que ele é. Há uma grande sutileza e muita história para esse personagem.”
“Nossa visão foi a de humanizá-lo e ver a sua história toda. Ele se perde a fim de voltar em um momento final de realização decidida e impassível. Ele perdeu tudo e tudo o que lhe restou é raiva e fúria. Então interpretar toda essa jornada é absolutamente um prazer. E poder fazer isso com uma câmera investigando quando você quebra a quarta parede – que presente para qualquer ator!”
Assim como Frank Underwood de House of Cards, um personagem muito modelado no rei de Shakespeare, Ricardo III é inicialmente uma figura muito sedutora. Mesmo sabendo das ações desastrosas que ele é capaz, nós não podemos evitar de sermos arrastados para seu mundo desonroso. Cumberbatch comenta que, “Ele é atraente porque ele nos seduz a sermos cúmplices com suas falas diretas para o público. Ele embaça a nossa visão porque nós somos fascinados pela batida do carro. É tão sedutor porque ele nos mostra a falibilidade da natureza humana em torno do magnetismo do poder.”
Um dos feitos da última temporada de The Hollow Crown – que consistiu em Ricardo II, Henry IV Partes Um e Dois e Henrique V, e que foi transmitida em 2012 – foi ampliar a influência de Shakespeare.
Cumberbatch expressa esperança de que essa nova temporada de filmes, que são o centro da temporada comemorativa da BBC pelo 400º aniversário da morte do dramaturgo, também irá trazer um novo público para Shakespeare. O ator faz uma ligação disso com sua popular aparição como Hamlet no Barbican em Londres no ano passado. “Interpretar Hamlet ao vivo para uma plateia fascinada foi incrível.”
“Eu estava muito interessado em ver quantas pessoas poderiam ser acomodadas dentro do teatro – isso foi muito importante quando escolhemos o local. Eu sentia que seria injusto com as pessoas que quereriam ver, se nós tivéssemos feitos em um local menor. Eu achei que deveríamos ser um pouco mais generosos do que isso e fazer em um teatro grande. Se você consegue aumentar o público e mostrar como Shakespeare é brilhante, isso é fantástico.”
Outro feito de The Hollow Crown é nos lembrar de quão universais as peças de Shakespeare são. Cumberbatch reflete que, “Eu odiaria deixar de relacionar com o que está acontecendo atualmente na política, mas claro que a peça é relevante – qualquer um pode ver isso. Mas o que é mágico sobre essas peças é que você poderia fazê-las em cinco ou dez anos e elas ainda teriam o mesmo efeito porque são estudos atemporais da própria condição humana do poder.”
“Macbeth funciona em suaíli ou alemão ou em qualquer cultura porque é sobre tribalismo, poder e ambição desesperada, abrangente e corrupta. Essas peças mostram as fragilidades, o ego, a susceptibilidade e todas as intrigas que o poder traz às pessoas. Esse é o motivo pelo qual Shakespeare é ainda tão potente 400 anos depois.”
Cumberbatch mal teve tempo de parar para respirar nos últimos tempos. No final do ano ele estará estrelando como o personagem título no mais novo filme da Marvel, Doutor Estranho. Atualmente ele está ocupado filmando a quarta temporada de Sherlock, que está prevista para ir ao ar ano que vem.
Então o que o ator pode revelar sobre a próxima temporada de Sherlock?
“É ótimo, é muito divertido estar de volta. Há muitas coisas acontecendo na nova temporada.” Ele pausa e depois ri alto e bastante: “mas eu não posso dizer nada sobre elas!”
“Você poderia me dizer,” eu respondo, “mas depois você teria que me matar.”
“Não,” Cumberbatch contra-ataca, apontando para o publicista que acabou de entrar na sala, “Eu faria com que ele te matasse. Como Ricardo III, eu iria encarregar alguém para fazer isso.”
Cumberbatch aparece nos episódios dois e três de The Hollow Crown, nos dias 14 e 21 de maio na BBC2.
Tradução: Aline e Juliana | Fonte