A revista Radio Times de 14-20 de maio traz Benedict como Ricardo III na capa e uma matéria sobre a série, incluindo comentários do Benedict. Confira abaixo a tradução e os scans em nossa galeria:
O Rei e Eu
Elegante e selvagem como um corvo num lustroso traje azul e preto, Benedict Cumberbatch é envolto por um manto de concentração. Você praticamente consegue ouvir sinapses estalando enquanto ele se prepara para entrar no set como Ricardo III.
Por E Jane Dickson
A alguns passos de distância, Judi Dench está sentada em silêncio, com as mãos no colo, possivelmente refletindo sobre seu papel como mãe de Ricardo, possivelmente planejando seu jantar. Sophie Okonedo, por outro lado, visivelmente está fervendo por sua grande entrada como Margaret de Anjou. Quando a câmera finalmente é ligada, a liberação de energia no set em Shepperton é explosiva. Num discurso intenso, ‘’Margaret louca’’ xinga todos em volta dela. O pior de sua fúria é reservada para Ricardo (‘‘Tu, deformado aborto de porco refocilante! ’’). Assistindo a Benedict Cumberbatch empalidecer diante desse ataque às deformidades físicas de seu personagem, você se vê comovido a se levantar e a ficar entre o vilão mais negro do teatro e seu atormentador.
Cumberbatch interpreta Ricardo III nas duas últimas partes de The Hollow Crown – em Henrique VI Parte II nesse sábado e em Ricardo III no próximo sábado. A referencial série da BBC 2 é épica em escala e ostenta um elenco que inclui Hugh Bonneville, Michael Gambon, Keeley Hawes e Samuel West – e Andrew Scott, o velho nêmesis de Cumberbatch em Sherlock, Moriarty, faz uma participação como Rei Luís.
Foi parcialmente o tamanho escopo do projeto que persuadiu Cumberbatch, discutivelmente o ator mais demandado de sua geração, a participar: sua performance facetada da ‘’aranha engarrafada’’ do Bardo é auxiliada pelo fato de que os espectadores testemunharam os eventos que moldaram a psicopatia de Ricardo III.
‘’Eu aceitei esse papel porque ele tem parte da linguagem e da ação mais extraordinária, visceral e chocante que se tem em qualquer dos dramas de Shakespear’’, diz Cumberbatch. ‘’Ricardo III é uma tragédia, mas você só aprecia essa tragédia verdadeiramente se você viu Ricardo no decorrer de todas as peças e encontrou o adolescente que se torna o déspota, que se torna a ruína arrependida, perseguida por pesadelos antes de ele morrer em batalha’’.
A exumação, em 2012, dos restos mortais de Ricardo III em Leicester permitiu uma autenticidade sem precedentes no que concerne a corcunda do rei (Cumberbatch está sem camisa na cena de abertura de Ricardo III); foi criado um protético de corcova que replica a escoliose encontrada no esqueleto. As coisas ficaram assustadoras, no entanto, quando cientistas que estão trabalhando nos restos do rei compartilharam uma nova descoberta com Cumberbatch.
‘’Foi um extraordinário quê de serendipidade, já que eu literalmente estava vestido como a versão de Ricardo III de Shakespeare quando eu recebi um email da Universidade de Leicester dizendo que eu era um não-exatamente-ridiculamente-distante descendente de Ricardo’’, diz Cumberbatch. ‘’Eu sou um primo de terceiro grau 16 gerações à frente, o que ainda é distante, mas me coloca na frente de um tanto de gente. Eu fui convidado para ler o poema (Ricardo) escrito para a ocasião por Carol Ann Duffy no ressepultamento na Catedral de Leicester. Estar presente quando Ricardo III achou seu lugar de descanso foi comovente. Eu estava no enterro de um rei’’.
É fácil ver as Peças Históricas como um passeio pela névoa do tempo, mas para contemporâneos de Shakespeare, a derrota de Ricardo na Batalha de Bosworth Field em 1485 foi de vivaz interesse, crucial para o senso de identidade nacional (bem parecido com o interesse atual na Primeira Guerra Mundial). Mesmo para nosso próprio tempo, Cumberbatch argumenta, The Hollow Crown toca acordes inquietantes.
‘’Estes filmes vão bem além da remissão de dramas históricos ou de época’’, ele diz. Eles são sobre tudo que estamos encarando – todos os debates sobre com quem devemos nos aliar, se devemos fazer parte da Europa, e o quão profundamente essas divisões se entranham numa sociedade. E a violência da guerra medieval tem uma ressonância com o que está acontecendo com o extremismo no mundo…Ver as manchetes, e depois ler o roteiro da gravação de hoje, percebendo que estamos decretando uma decapitação , literalmente tirando a cabeça de alguém de seus ombros – é triste dizer, essas são coisas que ainda fazem parte do nosso mundo’’.
As cenas de guerra recriadas para Hollow Crown são fortes em realismo sangrento, como evidenciado pelos galões de sanguinolência falsa – cera de silicone para sangue coagulado, um composto de açúcar para as coisas que escorrem – que está sendo usado no set em The Weald and Downland Museum no West Sussex, onde a Batalha de Santo Albano (Henrique VI Parte II) está estrondeando. Também há uma hoploteca de primeira linha fazendo um trabalho rápido enquanto guerreiros vestidos em ferro saem mancando do set em vários estados de mau estado.
“A maioria dos atores nesta produção queria ser os próprios dublês” explica o armeiro Hamish Macleod. “e eles estiveram trabalhando em condições horríveis. Nós encenamos batalhas em nove polegadas de lama, com tempestades torrenciais caindo. Nós desenvolvemos um sistema de armadura que consegue aguentar esse tipo de castigo, mas quando fica demais, preferimos que a armadura quebre do que o ator, então tivemos nossa forja funcionando aqui para reparos contínuos.”
No calor da batalha, mal visível em um miasma de fumaça de campo de batalha, Adrian Dunbar, que interpreta Ricardo Plantageneta, está tirando nacos do inimigo com uma espada larga.
“Você está vestindo a armadura e tudo, e pensa, ‘Isso vai ser ótimo'”, diz o astro de Line of Duty. “Aí eles te dão uma espada, e pensa, ‘Ah, isso não é tão ruim’. E depois de dez minutos você está pensando, ‘Por favor, não posso fazer isso o dia todo’. Quero dizer, eu não sei mesmo como as pessoas se sustentavam em batalhas de verdade. Alguém viria e massacraria você porque você ficaria cansado demais para levantar uma espada.”
Plantageneta, que derrotou as forças lancasterianas em St Albans em 1455, é o grande rei que a Inglaterra nunca teve, diz Dunbar. “Ele é um homem de Yorkshire, chama uma espada de espada e continua com as coisas. O mundo dele está em um estado de fluxo, ninguém está seguro, pessoas estão sendo mortas a torto e a direito. Alguém, em algum lugar, tem que resolver isso, e pelo menos nessa história, Plantageneta fez seu melhor. Nós temos uma tendência a chamar primitivos de ‘selvagens nobres’. Acho que poderíamos virar isso e chamar os caras da nossa história selvagens nobres. Eles tiveram que ser selvagens — a expectativa de vida era muito curta, você se casava quando adolescente, tinha filhos quando tinha 20 anos, então a vida era uma grande pressa, então acho que esses filmes explicam mesmo esse ponto.”
Acima de tudo para Dunbar, The Hollow Crown conta uma história fabulosa. “Tem tudo — batalhas, poder sendo arrancado de pessoas, bruxaria — é o verdadeiro Game of Thrones. Acho que há muitos jovens, em particular, que assistem a Game of Thrones, então essas peças não serão tão alienígenas a eles quanto poderiam ter sido a públicos assistindo 30 ou 40 anos atrás.”
Certamente a Margaret de Anjou de Sophie Okonedo se encaixa no gênero fantasia. No curso de The Hollow Crown, Margaret, a esposa de Henrique VI, é exigida a envelhecer de princesa de conto de fadas a rainha guerreira e, ultimamente, a profetisa de olhos selvagens. É uma excursão de força para a estrela dos dramas da BBC Criminal Justice e Undercover. “Nós não gravamos na ordem cronológica, então um dia sou uma moça, no seguinte sou uma bruxa velha”, ela explica. “Fiz muita preparação na minha cabeça, para quando eu chegar a uma cena particular, eu meio que consigo lembrar onde estou, emocionalmente, e então penso [como] jovem ou penso [como] mais velha e, tomara, isso meio que acontece.”
Okonedo é igualmente impassível quanto às disputas bizantinas da corte medieval. “Margaret pensa que a vida dela tem um direito divino ao trono, e que os outros são canalhas. Ela ama muito e vive duro, e, na maior parte do tempo, a energia dela é canalizada na violência. Talvez se ela estivesse aí hoje, ela teria ido à política.” Todo mundo está disposto a apontar paralelos contemporâneos, mas seis horas de drama elizabetano é programa de alto risco. The Hollow Crown consegue alcançar espectadores através de quatro séculos? Benedict Cumberbatch não tem dúvida que sim.
“Estamos vivendo através de uma era dourada da TV. Casar o talento no cinema com o alicerce de todo o drama neste país, na forma de Shakespeare, trará muitos olhos novos para este material. Se o público tiver metade de diversão assistindo, da que tivemos interpretando, valerá muito a pena sintonizar nele.”
Tradução: Gi e Aline | Fonte