Leia a tradução de um artigo da Radio Times em que Benedict fala da experiência de interpretar o Doutor Estranho logo após ter terminado sua temporada de Hamlet no teatro, além de um pouco de Sherlock..
“Tudo é diferente. Tudo”
Por Jonathan Holmes
Ele fez seu nome ao interpretar o famoso detetive de Sir Arthur Conan Doyle, e consolidou seu status ao interpretar Hamlet de Shakespeare, mas agora Benedict Cumberbatch está mergulhando em uma biblioteca inteiramente nova: revistas em quadrinhos.
Nesses dias, escolas de drama criam mais super heróis e vilões do que uma uma usina nuclear com um um registro de segurança duvidoso. Aparentemente todo astro da atuação britânico — de Tom Hardy a Idris Elba, aos Senhores Stewart, McKellen e Kingsley, e até Martin Freeman, velho amigo de Benedict Cumberbatch — assinou para um blockbuster de super herói. Esta geração que cresceu com heróis de quadrinhos tomou conta da bilheteria.
Então vamos falar sobre “o cânone”. Para um ator, o cânone sempre significou os grandes papéis nas grandes peças — Lear, Macbeth, a coisa que coloca seu nome lá em cima com Olivier e sua foto no National Portrait Gallery. No começo deste anos, Cumberbatch interpretou Ricardo III em The Hollow Crown na TV, e em agosto do ano passado ele foi Hamlet por uma temporada de três meses no palco em Londres. A versão dele do príncipe estudante como um homem-criança esguio ganhou elogios e casas cheias. Foi uma abordagem muito mais arriscada do que muitos esperaram de um sucesso garantido, sua performance chegando perto do absurdo. Mas no momento em que ele saiu do palco do Barbican, um velho cânone colidiu com um novo.
Para nerds como eu, este novo cânone é o mundo bizantino dos quadrinhos e super heróis — uma mitologia rica que a Marvel trouxe com sucesso à tela do cinema. O estúdio estava tão determinado que Cumberbatch interpretasse o cirurgião-tornado-mago Doutor Estranho que adiou a produção até que ele tivesse pendurado a coroa de Hamlet.
“O processo inteiro tem sido muito lisonjeiro porque eles fizeram algo que nunca fazem, que é parar uma produção para que eu ficasse disponível”, Cumberbatch diz entre tomadas no set de Doutor Estranho, ainda suado de uma cena de luta enérgica, coçando o verniz em volta de sua barba falsa. “Hamlet já estava no lugar e eu não queria desistir da peça. O pessoal de Sherlock estava dizendo, ‘Quando nós vamos filmar a quarta temporada?’ Então houve um pouco de habilidade para negociar aqui, mas graças a Deus funcionou e todos os lados têm sido pacientes.
“Eu estava filmando em Catmandu dois dias depois que terminei Hamlet”, ele relembra.
É justo dizer que Stephen Strange nunca teve o mesmo poder sobre Cumberbatch como o Príncipe da Dinamarca. “Quando eu cresci, Asterix era o personagem de quadrinhos que eu lia muito, assim como Tintin”, ele explica. “Não é que eu não gostava de super heróis, eles só nunca cruzaram meu caminho. O primeiro filme do Batman de Tim Burton foi um bom ano na minha vida: todos nós gostávamos dele na escola, tínhamos pôsteres nas paredes, ouvíamos a trilha sonora do Prince e fazíamos imitações de Jack Nicholson.”
Certo, então não é o Primeiro Fólio, mas devia ter havido semelhanças entre Hamlet e super heróis?
“Tudo é diferente. Tudo.”
Ele pensa um pouco mais. “Cumberbatch tem um jeito de falar através das perguntas e considerar cada ângulo quase simultaneamente.
“Shakespeare é pesadamente dependente das palavras, pintando a imagem e o processo de raciocínio. Em Doutor Estranho, não há muita pontificação no significado da vida ou o absurdo disso tudo. Mas existe uma velha parcela de tragédia e castigo merecido, e muda em termos de alto drama.
‘No palco há momentos que proporcionam uma intimidade incrível, mas a coisa ótima em estar na câmera é que você pode falhar espetacularmente depois retomar e você sabe que ninguém nunca tem que ver isso.”
Essa diferença foi em parte o que o atraiu para o papel. “O preço da mudança é na verdade o que a torna possível: sair do palco, entrar em um carro e começar a filmar.”
É essa energia que faz de Cumberbatch um encaixe natural para Strange. Ele é uma figura graciosa que tem uma capa. Embora ele não tenha certeza se nasceu para fazer o papel. “Eu não sou um astro de ação e eu tenho quadris rígidos,” ele disse. Mas seu tempo com os monólogos de Shakespeare pode ajudar com os lançamentos de feitiços do Doutor- tente entoar “Pelas Horrendas Hordas de Hoggoth” com autoridade.
Em resumo, ele pode fazer coisas bobas – desde vestir codpieces até capas e lançar feitiços – parecerem acreditáveis. “Eu acho que isso foi muito importante. O personagem pode ser muito tolo. Ele é uma figura do mundo real – ele ri de coisas que o público poderia rir.”
Pessoalmente, Cumberbatch parece verdadeiramente de outro mundo, uma série de ângulos agudos sob uma testa de criança. Mads Mikkelsen faz o vilão do filme, o segundo Mikkelsen a trabalhar com Cumberbatch. (“Meu irmão não teve sucesso,” Mads brinca sobre Lars Mikkelsen ser Charles Magnussen em Sherlock. “Eu vou.”) A maquiagem demoníaca de Mikkelsen é menos intimidadora do que os olhos azuis de Cumberbatch.
A discussão vagueia como se estivéssemos em um jantar, desde “os ritmos circadianos em nível molecular” até “budismo como uma janela para algo além do que nós chamamos de realidade casual.” Doutor Estranho é o herói mais surrealista da Marvel, e Cumberbatch tem uma espiritualidade de ator. Isso parece apropriado. Doutor Estranho vive em Greenwich Village, em Nova York, e os quadrinhos originais de 1960 mandaram o ex neurocirurgião para paisagens alucinantes meio entre uma capa de álbum do Genesis e uma enxaqueca cubista.
“Os quadrinhos foram criados em uma época de drogas experimentais, psicodélicos, música e um interesse no oculto e no espiritualismo, “Cumberbatch explica, o último ele tendo uma certa afinidade, tendo passado um ano antes da universidade em um monastério.
“Eu ensinei em um monastério budista nepalês em uma comunidade em exílio, ensinando os monges e crianças da cidade. Eu estava lendo coisas como o livro de Fritjof Capra, O Tao da Física, e entrando no budismo tibetano ao mesmo tempo.”
Mas se é Shakespeare ou super-heróis, Cumberbatch está claramente praticando a mesma velha mágica: passando pelos embaraços do dia a dia para fazer o não real, real.
“Doutor Estranho vive em nosso mundo no começo, mas ele se expande nesse voo bizarro além de nosso entendimento, além da imaginação. Como você faz isso por um público?”
O ajudando nisso está o fato de Cumberbatch já ter uma poderosa e inefável força: fandom. Sherlock o colocou a frente de um novo cânone de pôsteres nas redes sociais. Esse poder do estrelato fez sua estreia como Strange parecer inevitável muito antes dele ser realmente escalado, com devotos tão sérios em encaixar papéis para atores quanto qualquer crítico de teatro. Como o Hamlet de Olivier, esse é o Strange de Cumberbatch.
Enquanto ele ocasionalmente se irrita em ser conhecido como “o namorado da internet” – ele teve que pedir aos fãs que parassem de filmar suas apresentações como Hamlet- é uma relação marcada pelo respeito.Ele alegremente cede as especulações sobre uma possível reunião com Martin Freeman em um filme futuro da Marvel – “Sherlock no espaço” como ele coloca.
“Eu não posso dizer, você sabe disso,” ele sorri intrigante. “Mas sim, vai ser divertido – também por causa dos atores interpretando os papéis no universo da Marvel – fazer parte desse enorme trabalho.”
Tradução: Aline e Juliana | Fonte
Atualização:
O artigo também foi publicado na edição de 29 de outubro-4 de novembro da revista! Vocês podem conferir os scans aqui: