Ontem à noite, o site do jornal britânico The Telegraph divulgou uma longa entrevista com Benedict, na qual ele fala sobre a vida, a morte, política e Doutor Estranho. Confira abaixo a tradução:
De repente Benedict Cumberbatch está caminhando no corredor. Eu achava que ele estaria na sala onde eu teria que esperar do lado de fora. Mas não, lá vem ele, com sua comitiva. Você gostaria de alguma coisa, um deles o pergunta. “Só uma maça, isso é tudo que eu quero,” ele diz, enquanto eles passam. Um lacaio desaparece na distância para obter a fruta requerida. “Consiga uma vermelha,” diz um de seus publicistas.
Um pouco depois, quando estamos conversando, uma maça aparece, meticulosamente preparada. “Eu amo como os pedidos se manifestam,” diz Cumberbatch. “É uma maçã cortada e descascada. Eu poderia dar ao meu bebê.”
Bem-vindo a corte do próximo super-herói da Marvel. No centro de tudo está um ator do lado jovem dos 40 em um cardigã e tênis, e ainda um pouco confuso com a atenção. Mas não há dúvida de que ele agora conseguiu um lugar onde ele uma vez chamou de “a mesa top”. Ele pode até estar sentando próximo a cabeceira dessa mesa, mas ele ainda não percebeu isso.
Pela primeira vez Cumberbatch está interpretando um ator principal em uma franquia americana de sucesso: Doutor Estranho, o mago quixotesco que protege o mundo onde os Vingadores habitam contra ataques de outras dimensões. Ele veste uma capa vermelha que permite que ele voe e pode criar cintilantes e giratórias armas com fogo fazendo gestos com suas mãos. Ele é bem legal.
Fazer esse filme pode ser um golpe de mestre, na verdade. Cumberbatch raramente faz a má escolha. Não muitos atores pegariam um estuprador venenoso e elegante (Paul Marshall no filme de 2007 Desejo e Reparação) como um trampolim, mas para aqueles assistindo atentos, isso foi um esboço de atuação tão insidioso em sua desagradabilidade, tão meio que sexy de uma forma pavorosa, que foi muito mais fascinante do que as principais atuações do filme.
Alan Turing no Jogo de Imitação (2014), Julian Assange em O Quinto Poder (2013) – foram figuras difíceis e irritadiças, mas eles deram a Cumberbatch a oportunidade de cuidadosamente desenterrar as suas humanidades. Mesmo Sherlock – difícil de acreditar agora – foi uma escolha arriscada quando ele a fez pela primeira vez.
Quem queria pegar a desagradável tarefa de sofrer comparações com Jeremy Brett e Basel Rathbone, um exercício que no papel, parecia muito mais provável de falhar do que lançar seu astro para a estratosfera?
Mas a estratosfera é onde ele está agora, ganhador de um Emmy, indicado ao Oscar e muitas vezes indicado ao Bafta, e o objeto de adulação de um grupo de fãs que é chamado de
Cumberbitches. Ele também teve recorde de vendas de ingresso para o Barbican onde ele apareceu como Hamlet na tragédia de Shakespeare ano passado.Agora Doutor Estranho promete o expor para um novo público. O filme é muito bom. É engraçado e empolgante e tem profundidade emocional quanto também efeitos especiais de cair o queixo, especialmente quando você assiste em 3D. Foi lançado terça-feira passada, e tem de modo geral, elogios.
A interpretação de Cumberbatch tem arco e nuances. Tim Robey, o crítico do Telegraph, colocou bem quando escreveu que como “tirando o tapete de debaixo da autoridade de cruzeiro de Cumberbatch quantas vezes é possível, o filme acha uma maneira inteligente de o resgatar de si próprio, e assim o ajudar a viver tudo isso novamente.”
Isso, eu deduzo, é em parte graças ao próprio Cumberbatch. Enquanto nós sentamos, um pouco perdido no centro de uma grande sala no imponente Hotel Corinthia em Charing Cross, Cumberbatch se movimenta inquieto mesmo quando ele aparentemente relaxa em sua cadeira, ele me conta sobre o processo de filmagem, que foi de uma forma não usual, improvisado, para um filme de 165 milhões de dólares. Nós falamos sobre o humor. “Eu especialmente queria adicionar mais ao humor.”
Ele contribuiu com falas? Ah sim. Ele poderia me dar um exemplo? Ele cita uma cena com o guardião da biblioteca de livros místicos no lugar que é como um monastério mágico nepalês onde Strange se recupera, em uma busca pela cura para suas mãos danificadas por um terrível acidente de carro – nesse ponto Strange é ainda um mero mortal, e um neurocirurgião fora de serviço (por causa de suas mãos destruídas), ainda a aprender como manipular o tempo e a chutar pessoas para fora de janelas.
O guardião se chama Wong (interpretado por Benedict Wong). “Só Wong?” Strange perguntou.
“Como Adele?” Tente de novo. Wong permanece impassivo. “Ou Aristóteles?… Drake?… Bono?… Eminem?”
É excepcionalmente engraçada, esta injeção do mundo real repentina e surpreendente em uma sequência sem humor combinada com a entrega ranzinza de Cumberbatch. Mas ganhou vida em um momento de improviso do ator. “Scott [Derrickson, o diretor] disse para continuar listando os nomes. Então eu listei. Até mergulhar de nariz.
Eu me encontrei com Cumberbatch antes, uns quatro anos atrás, quando ele estava promovendo a adaptação da BBC Two de Tom Stoppard para o romance de Ford Madoxx Ford Parade’s End, uma produção menosprezada que incluiu performances bonitas e dolorosamente perturbadoras de Cumberbatch e Rebecca Hall como um casal da alta sociedade incompatível.
Nas duas vezes ele foi generoso e acolhedor, estava mais solto da primeira vez na oferta de opinião — e falava ainda mais rápido. Ele estava bem feliz, por exemplo, em descrever Downtown Abbey, um ponto de comparação óbvio com Parade’s End, como um programa onde “você pode alegremente sair e fazer uma xícara de chá e pegá-la de novo” e como “um longo mergulho na banheira com um achocolatado de m****”.
Ele é mais cuidadoso agora, desconfiado, depois da implacabilidade dos ataques da mídia feiras sobre ele caso ofereça alguma coisa que soe como crítica ou comentário social, ataques que parecem derivar principalmente do fato dele ter ido à escola Harrow, embora seus pais, Wanda Ventham e Timothy Carlton, não sejam mais do que atores.
Lá atrás em 2012, Cumberbatch disse à Radio TImes que estava tão cansado do “ataque à classe alta” que estava considerando desistir da Britânia e se mudar para a América. Mas hoje seu comentário sobre o assunto de classe é simplesmente que essa é “uma conversa” na qual ele não quer se “envolver”.
Ele também fala de seu “profundo arrependimento” em ter sido “muito rude sobre políticos” durante as vezes em que ele tinha ido ao palco depois do fechar das cortinas de Hamlet para arrecadar dinheiro para os refugiados sírios, e criticou os membros do parlamento pela resposta deles à crise.
“Eu não estou no poder e aprendi muito minha lição nessa frente. Mas o que eu posso fazer é pedir para as pessoas em poder se poderiam considerar isso importante o bastante sobre o qual agir.”
Para este fim, ele diz, ele está em conversa com a Unicef sobre a possibilidade de se tornar um de seus embaixadores. “Ouça, se eu vou ser criticado por alguma coisa, posso também ser criticado por tentar ajudar”, ele diz.
Fisicamente Cumberbatch tem essa vivacidade que vem de ser apto para Hollywood, embora tenha se acalmado nas seis refeições por dia e séries diárias de flexões e mergulhos e o resto que veio junto ao se comprometer à Marvel. Enquanto o rosto dele, para um homem cuja aparência foi comparada com um cavalo, uma lontra e um suricato, agora é tão familiar que não parece nem pouco esquisito. A coisa mais surpreendente é aquele arco do cupido extraordinariamente pronunciado do lábio superior dele.
Sua pele às vezes pálida foi substituída por um rubor saudável que pode ser em parte graças a umas férias breves recentes que ele tirou com sua esposa e filho depois de um ataque violento de trabalho que significou que ele foi direto da produção teatral do Barbican de Hamlet, a Doutor Estranho, a quarta temporada de Sherlock.
Cumberbatch agora é um homem de família, esta é a maior mudança desde que eu o encontrei da última vez. E isso parece dar a ele uma fortuna de alegria e estabilidade, o bebê recebendo uma menção em cada oportunidade (veja a maçã, acima). Ele casou com sua esposa, a diretora de teatro Sophie Hunter no Valentine’s Day do ano passado e o filho deles Christopher, Kit abreviado (que não recebeu o nome do computador em O Jogo da Imitação nem do carro em Knight Rider – “houve um mundo que veio antes do meu trabalho!”), nasceu um pouco depois. Eles têm um segundo bebê a caminho agora, foi anunciado recentemente.
“Eu tenho uma família que me dá um propósito que é maior do que eu e mais importante do que eu além do meu trabalho e da minha vida pública”, ele me diz em certo ponto.
Nós chegamos a uma conclusão infundida de Budismo (Cumberbatch passou meses na Índia, quando tinha 19 anos, lecionando inglês numa casa nepalesa onde ele teve o primeiro contato com essa religião) que a solução para tudo é viver no agora.
Apesar de tudo se voltar para o bebê: ”Todo mundo diz que passa tão rápido e como um pai de primeira viagem você realmente percebe isso, ainda mais se você ficou longe de casa por 10 dias (a agenda promocional da Marvel o levou para uma turnê mundial). Mas o segredo é aproveitar cada momento que você tem, quando você o tem’’.
O velho Cumberbatch dá sinais de vez em quando. Ele é mais franco do que eu esperava ao responder a pergunta principal que fãs da Marvel teriam para ele. Nós já sabemos que o Doutor Estranho estará no próximo filme dos Vingadores, mas ele estará no filme solo do Thor, Ragnarok – uma coisa sugerida nos créditos finais do filme? ”Vocês terão que esperar pra ver’’, ele diz. Mas, então, acrescenta. ”Eu imagino que esteja mais perto de algo parecido com um sim’’.
Há sempre uma paixão em Cumberbatch. Eu lhe pergunto o que ele pensa que significa ser britânico. ”É uma coisa que está em constante mudança agora, não é?’’, ele diz. ”Eu posso lhe dizer o que significa pra mim. Significa orgulho na forma de pertencer a uma cultura e uma história que é variada, dicromática, maravilhosa, terrível, tudo que deveria ser. Para mim, é mais um senso de lugar, um senso de lar, Londres em particular, mas também Manchester [onde ele fez faculdade], partes da Escócia. Para mim, é o senso de pertencer a um lugar’’.
”Mas está em constante mudança. E, obviamente, depois de tudo que aconteceu no verão, está mudando seriamente’’.
Ele está preocupado com o que vai acontecer? ”Eu acredito fortemente que nós já nos viramos com tanta frequência. Ninguém sabe o que vai acontecer, então se preocupar meio que é um desperdício de energia’’. Ele votou para continuar na UE, mas ”Eu respeito completamente as razões pelas quais as pessoas votaram para sair’’.
”Para mim, a coisa mais desesperadora é que o que isso mostrou foi a penúria massiva na nossa sociedade, os problemas dos contratos zero-hours*, cidades industriais que foram abandonadas há décadas. Pessoas votaram por uma mudança em suas circunstâncias e suas remunerações e sua estabilidade no trabalho e seu sistema de saúde, para os quais demagogos estavam oferecendo uma resposta, e elas não vão receber o que elas querem. E nós precisamos abordar esses problemas. Como cultura, estamos todos cientes disso agora. Não há como esconder, essas coisas foram faladas e ouvidas’’.
A vida moderna de uma estrela de cinema tem uma variedade peculiar. Um dia, Cumberbatch está falando sobre política e caridades; no outro, ele está encarando o constrangimento de ”vestir lycra apertada com bolas refletivas e sua cara pintada com pontos, como algum tipo de aborígena moderno – parecendo um bocó muito esquisito, basicamente’’.
Esse último ele tem que fazer por causa das sequências de captura de movimentos de filmes abarrotados de CGI como O Hobbit (onde ele interpretou o dragão Smaug), Doutor Estranho e a iminente adaptação de O Livro da Selva, onde ele interpreta o tigre Shere Khan. Ele acha a captura de movimento tão divertida que, na verdade, ele não precisava fazer os movimentos do dragão em O Hobbit, ele confessa. Mas ele os fez mesmo assim.
Eu tenho a impressão de que Cumberbatch mantém uma alegria infantil em seu trabalho como ator, até mesmo quando ele tenta ajustar sua fama com sua consciência social. Até mesmo quando ele está sendo tratado como a realeza, ele continua parecendo uma criança no parquinho, onde atuar pode ser uma libertação completa, ”pura imaginação, apenas. Fantasiar e surtar e simplesmente não segurar nada’’, como ele a chama. Esperemos que ele consiga continuar se sentindo assim.
*zero-hour contract (contratos nenhuma-hora, em tradução livre) = tipo de contrato entre um empregador e um trabalhador, pelo qual o empregador não está obrigado a fornecer nenhum mínimo de horas de trabalho e o trabalhador não está obrigado a aceitar todo trabalho que lhe seja oferecido.
Tradução: Aline, Juliana, Gi | Fonte