Benedict concedeu uma entrevista ao jornal britânico The Telegraph, publicada na edição de 20 de abril do periódico. Nela, Benedict fala sobre a Marvel, Patrick Melrose, Sherlock e Harvey Weinstein. Confiram abaixo a tradução:
Por: Craig McLean
Na última vez que encontrei Benedict Cumberbatch, ele estava usando apenas um calção de banho, comendo balas de gelatina e se preocupando com o tamanho de seu tanquinho. Foi em abril de 2017 e nós estávamos no set suburbano de The Child in Time, o primeiro drama de sua produtora, SunnyMarch. No papel principal como o escritor de livros infantis esmagado pelo pesar decorrente do desaparecimento de sua filha, Cumberbatch estava se preparando para gravar uma cena na banheira – e estava dolorosamente ciente de que seu torço parecia fora de contexto.
Pouco tempo após as gravações que duraram cinco semanas, o ator explicou que ele estava prestes a voar para a América para reprisar seu papel como o desconcertantemente sarado super-herói da Marvel manipulador de dimensões, Doutor Estranho. No ano anterior, o filme individual do Doutor Estranho tinha arrecadado quase meio bilhão de libras de bilheteria internacional – e quando foi anunciado que o personagem (também visto rapidamente em Thor: Ragnarok no outono passado) estaria fazendo um proeminente retorno em Vingadores: Guerra Infinita este ano, não tinha como não pensar que Cumberbatch não retornaria ao papel sem antes ir na academia primeiro.
Quando nos encontramos, a dieta pré-filmagens do ator – que ele descreveu como “a todo vapor…mas um sorbet mental” – já tinha começado faz tempo; por isso esse tanquinho.
Repleto de estrelas (Robert Downey Jr, Scarlett Johansson, Mark Ruffalo, Zoe Saldana e Josh Brolin, pra começar), o maior filme da Marvel até hoje promete ser um Maiores Sucessos de super-heróis, incluindo todos os Vingadores, o Homem-Aranha, o Pantera Negra e os Guardiões da Galáxia. Tem tanto segredo em volta dele, que me mostraram apenas 25 minutos, só de conversa de super-herói e lutas extremamente barulhentas contra o vilão intergalático de Brolin, Thanos.
Doutor Estranho parece ser o mocinho central, ainda por cima. Curvado em sua cadeira, Cumberbatch admite que, após todas aquelas horas na academia, ele “encrespou” mais cedo quando um jornalista comentou que seu Doutor Estranho “não era muito musculoso”.
“Como ele se atreve?”, ele faz um som de reprovação, em falsa indignação. “Ele não viu minha cena sem camisa? Apenas horas antes de nós a gravarmos, me disseram para eu não fazer nada além de tomar café de comer Skittles. “‘Quê?’, eu disse, ‘vocês querem me transformar num caminhoneiro?’. Mas eles disseram que tem a ver com desidratação – se você consome esse tanto de açúcar e cafeína, sua pele vira um filme plástico em volta dos seus músculos”. Ele sorri abertamente. “E funcionou!”. Ele franze o rosto. “Mas eu nunca recomendaria fazer isso”.
Ainda assim, independentemente de como o físico do Doutor Estranho aparece na tela, um lugar no qual o ator indicado ao Oscar, que a estrela educada em Harrow, pode ter certeza que seu personagem terá um tanquinho firme é no merchandise, de camisetas até figuras de ação. “É o momento lancheira”, diz Cumberbatch, ironicamente.
Ele me conta sobre uma visita recente à casa de seu amigo e coestrela, Tom Hiddleston (“Hiddlebum”), que é um membro da família Marvel desde 2011 quando ele apareceu como Loki no primeiro filme do Thor. “Eu entrei na sua cozinha e disse: ‘Caraca, você foi transformado em merchardise: você está na lancheira”. E ele só ‘Eu sei, é ótimo, né?’. E, sim, é ótimo. É também um pouco assustador. Eu pensei: ‘Oh, esse é um dos obstáculos? Esse é um momento Hiddlebum ou um momento McAvoy?” (outro colega, James McAvoy, teve seu “momento lancheira” com os filmes de X-Men). Quer dizer: o ator precisa se conformar com ser transformado num suvenir de plástico?
Precisa, e Cumberbatch evidentemente o fez. “É terrível, mas eu chego a prestar atenção para ver se encontro crianças usando coisas da Marvel”, ele admite. “E há poucas lancheiras e mochilas do Doutor Estranho”. Com dez anos e 19 filmes no Universo Cinematográfico Marvel – e com o Pantera Negra recebendo uma aclamação crítica sem precedentes – será que Cumberbatch acha que é hora do esnobismo em relação a filmes de super-heróis acabar?
Se, digamos, o Eddie Redmayne perguntasse se ele deve vestir uma capa e uma roupa justa de malha, ele encorajaria o amigo? “Eu diria que ele está com o prato bem cheio de bruxaria no momento”, ele ri, se referindo ao papel de Redmayne na franquia Animais Fantásticos de J.K. Rowling. “Mas, sim, se você se cansou disso, venha se juntar à festa!”.
No entanto, com grandes franquias, vêm grandes responsabilidades. Recentemente, a coestrela de Cumberbatch em Sherlock, Martin Freeman, se queixou para mim sobre o nível opressivo de expectativa criado pelos fãs obsessivos da série. “Fazer parte daquela série, é uma coisa meio Beatles”, o ator que interpreta o Doutor Watson disse. “As expectaticas das pessoas, parte disso não é mais divertido. Não é uma coisa a ser aproveitada…”.
A obsessão dos fãs com Sherlock matou a diversão para Cumberbatch também? “Mmm, na verdade, não, porque eu não me engajava muito com isso”, ele diz. “Eu sou muito grato pelo apoio, mas é basicamente só isso”. Sua abordagem é que o fervor dos fãs se transforma numa força separada, incontrolável, que “vira uma coisa por si mesma. Mas isso acontece com toda franquia ou entidade como essa”.
Ele para, franze o rosto, e então continua com o que soa como uma crítica vigorosa à sua coestrela: “É bem patético se é isso que basta para fazer com que você não queira lidar com a sua realidade. Que, por causa de expectativas? Eu não sei. Eu não necessariamente concordo com isso. Em certo nível, eu entendo o que ele quer dizer. Há um nível de obsessão onde a franquia vira deles ainda que sejamos nós quem a está produzindo. Mas eu simplesmente não me sinto afetado por isso da mesma forma, devo dizer”.
Ele é similarmente franco quando o assusto é Patrick Melrose. No iminente drama de David Nicholls dividido em cinco partes para a televisão, adaptado dos romances autobiográficos de Edward St. Aubyn, Cumberbatch interpreta o protagonista, um personagem que, no papel, pode parecer um playboy antipático e viciado em heroína.”Bom, as palavras são suas, não minhas”, ele responde. “Eu não acho que ele é antipático, de forma alguma. Eu acho que ele é ferozmente engraçado, erótico, charmoso e perigoso. E incrivelmente, incrivelmente sofrido. Então, é possível que você se simpatize com ele”.
“A parte de ser rico? Quero dizer, o que, você acha que pessoas que são abusadas sexualmente por seus pais desde os cinco até os dez anos de idade não merecem nossa atenção por serem ricas? Você precisa voltar para a aula de ética, com certeza. Essa é uma posição moral questionável de se ter. Então”, ele conclui bruscamente, “Eu não corroboro isso”.
De qualquer forma, eu sugiro, é difícil imaginar que a vida de Melrose – do abuso infantil até as drogas que ele se automedica para escapar da dor – será fácil de assistir. “Eu acho que fundamentalmente será muito divertido de assistir”, diz Cumberbatch. “Mas não é para os mais sensíveis. É uma história de salvação. Mas é pungentemente engraçado. É isso que a torna engajante, na minha opinião. Mesmo nos momentos carregados de abuso, você meio que fica fascinado pelo David Melrose (pai de Patrick) de Hugo Weaving, assim como você fica com os livros. Ele é um personagem muito magnético”.
Enquanto pesquisava para o papel, Cumberbatch conversou com terapeutas e ex-viciados. Também teve como ele aprender com seus próprios tempos de escola? Certamente, em Harrow não lhe faltavam colegas de classe oprimidos pela herança. “Bom, tinha um príncipe da Jordânia, então isso trouxe um nível de estranheza. Mas a versão mais inglesa? Eu não fui muito apresentado a esse mundo. Eu era muito privilegiado por estar em Harrow, mas não há uma parte de Wiltshire que pertence aos Cumberbatches”.
“Nós temos o nosso passado – você não precisa procurar muito para ver o passado relacionado à propriedade de escravos, nós fazíamos parte da indústria do açúcar, o que é chocante”, ele diz sobre a revelação que aconteceu há 4 anos sobre um antepassado do século 18, um mercador de Bristol que estabeleceu plantações em Barbados. Mas, não, ele não conhecia “Lord e Lady Isso e Aquilo”.
Seu único colega de classe enobrecido foi Simon Fraser, cujos pai e tio morreram “tragicamente um em seguida do outro no nosso último ano”, fazendo dele o 16º Lord Lovat. “Ele recebeu o título de repente e nós nem ficamos sabendo”. “A questão é”, ele continua, “por mais estranho que isso seja, considerando a percepção que existe de mim por aí, eu tive que me esforçar para conseguir o nível de classe certo para isso aqui. E foi uma parte muito importante do processo. Porque Patrick Melrose é um estudo sobre a elite, e a desintegração dos endinheirados, da idiotice em torno dos proprietários rurais e aqueles que ainda possuem propriedades, mas não podem gastar. Seu comportamento hipócrita, cínico, traiçoeiro, malicioso, irônico e antipático é realmente exposto pericialmente nessa série”.
Falando em homens se comportando mal, se as coisas tivessem ido de acordo com o plano, a essa altura nós já teríamos visto a performance de Cumberbatch como Thomas Edison no épico histórico A Batalha das Correntes. Em um momento considerado um concorrente ao Oscar, o lançamento original do filme foi descartado após o produtor Harvey Weinstein (com quem Cumberbatch havia trabalhado anteriormente em O Jogo da Imitação) caiu na desgraça. Cumberbatch parece estar longe de desapontado.
“Se é necessário que nós não lancemos nosso filme por uns anos para nos livrar dessa toxicidade, eu não me importo”, ele diz, acrescentando que ele quer “dar um passo para trás e ficar o mais distante possível dessa influência, tanto como ator, quanto como ser humano”.
Ele se recorda de estar no set de Vingadores quado a história sobre Weinstein saiu. “Você podia sentir as pessoas ficando: ‘Isso é importante e isso vai mudar as coisas…’. E isso é espetacular”, ele diz. “Mas, tendo trabalhado com esse homem duas vezes…”, ele exala pesadamente. “Lascivo…Eu não desejaria ser casado com ele…Cafona em seus gostos, apesar de sua frequentemente brilhante habilidade de fazer filmes”.
“Mas se eu sabia do que estava acontecendo? Um abuso sistemático de mulheres, acontecendo através de suborno, coação, tentando ganhar empatia, até força física e ameaças física e à carreira? Não. Não”, ele diz com firmeza. “Esse foi o verdadeiro choque. Que isso aconteceu. E que vinha sendo abafado por todo um grupo de pessoas através de processos e silenciamento e dinheiro – centenas de milhares de dólares pagos para silenciar vítimas e sobreviventes”.
Ele balança a cabeça, horrorizado. “Isso realmente foi uma revelação. Eu tenho uma produtora. Nossa diretora de desenvolvimento é uma mulher. Há duas mulheres gerenciando a divisão de televisão da SunnyMarch. Adam (Ackland, cofundador da SunnyMarch) e eu somos os únicos homens no escritório. Inúmeras vezes eu levantei questões acerca da igualdade de pagamento e faturamento. Então, me dar conta de que essa atitude está tão profundamente, culturalmente enraizada – esse foi meu duro despertar para a realidade. Nós precisamos lutar muito mais”.
E assim foi dado um jeito na masculinidade tóxica; agora, que venha o Thanos!
Tradução: Gi