O canal MASTERPIECE PBS, que exibiu The Child In Time nos Estados Unidos no último dia 1º, liberou ontem uma entrevista exclusiva que Benedict concedeu ao seu podcast. Ele falou extensamente sobre a produção do telefilme e ainda arrumou um espaço para falar um pouco sobre Patrick Melrose. Nós traduzimos a entrevista na íntegra, mas gostaríamos de avisar que ela pode conter spoilers, tanto para The Child In Time quanto para Patrick Melrose. Confiram-na abaixo:
Jace Lacob: Eu sou Jace Lacob e você está ouvindo o MASTERPIECE Studio.
Para o escritor de livros infantis Stephen, tudo para no dia em que sua filha de quatro anos de idade desparece de vista num mercado. Pode ter levado apenas um segundo, mas sua vida profissional, seu casamento, o charme gentil e sereno de sua vida em Londres – todos são despedaçados para sempre quando Kate some misteriosamente.
*Clipe de The Child in Time*
Jace: O ator Benedict Cumberbatch interpreta Stephen e também é um dos produtores executivos da adaptação. O pai sofrido é um papel bem distante de seu super detetive na Sherlock do MASTERPIECE. Cumberbatch se juntou à nós no meio de uma turnê de divulgação particularmente movimentada para discutir como foi voltar ao trabalho do escritor Ian McEwan nesse filme, o primeiro filme de sua produtora.
Jace: E nesta semana temos a participação do produtor executivo e estrela de The Child in Time, Benedict Cumberbatch. Bem-vindo.
Benedict: Obrigado, obrigado por me receber.
Jace: Você não é apenas o protagonista, mas também um produtor executivo em The Child in Time. Você já trabalhou em outra adaptação de McEwan, Desejo e Reparação.
Benedict: Sim.
Jace: O que no romance de McEwan o atraiu para este projeto tanto como ator quanto como produtor?
Benedict: Bom, eu acho que foi a forma da narrativa, sabe, os romances de McEwan são sempre tão cinemáticos, eles realmente se adaptam bem à mídia visual, e isso já foi provado várias vezes no cinema. Essa foi a primeira adaptação para a televisão, o que foi uma grande honra para nossa produtora, e tudo meio que se encaixou no momento certo, logisticamente falando, com a adaptação chegando até nós com o roteiro recém-terminado. Como um projeto proposto no formato completo, ao invés de alguém chegar e falar ‘Vamos adaptar o livro’. Não, alguém disse ‘Nós já temos essa adaptação, o que você acha?’. Então meio que foi um processo de trás pra frente, nesse sentido. E simplesmente deu certo logisticamente com minha agenda daquele momento e com como a produtora estava naquele momento, então nós estávamos simultaneamente muito orgulhosos e muito disponíveis. Então nós simplesmente aceitamos sem pensar duas vezes. E o roteiro de Steven Butchard é de uma grande, destra beleza. E então, quando Kelly Macdonald foi escalada, e Steven e Saskia Reeves, por exemplo, quero dizer, o projeto atraiu talentos de peso dos quais eu sou fã há muito tempo, em todos esses casos, e em relação a todo mundo que nós conseguimos ter ainda que nos menores papéis do drama. Foi realmente escalado com muita grandeza. E Julian, nosso diretor. Nosso capitão. Que alma extraordinariamente talentosa e gentil que aquele homem é, e alguém que realmente consegue perceber a poesia da obra e levá-la a uma esfera que, apesar de moderna, nada tinha a ver com questões procedimentais que seriam feitas sobre uma criança desaparecida, mas muito mais focado e centrado nos fragmentos sobre memória, relacionamentos, temas relacionados ao que significa ser pai, ser avô, ser uma criança e sobre a sociedade no geral, seja quanto à educação ou aos éditos do governo sobre como uma criança deve ser educada. Ele é um mestre, Julian. Equilibrando tudo isso, mas mantendo o foco na dificuldade desse homem em lidar com a perda e em manter os relacionamentos que ainda estão presentes em sua vida ou compreende-los sob uma nova luz. Eu me senti muito orgulhoso como produtor. Nós reunimos um ótimo time de chefes de departamento e foi uma gravação muito feliz, apesar do tema tão traumático. E essa é a responsabilidade, a gestão diária de uma gravação e o bem-estar da equipe é uma coisa que, sabe, é em parte um dos motivos pelos quais eu queria entrar nessa área, para fazer uma experiência agradável de cujos resultados todos poderiam se orgulhar também. Então estamos muito orgulhosos desse aspecto do que conquistamos.
Jace: Você mencionou a falta de aspectos procedimentais; Uma das coisas que eu amo em The Child In Time é o fato de que não é um mistério per se.
Benedict: Eu acho que um telespectador confuso o descreveu como o pior episódio de Sherlock já feito, o que, sabe, apesar de engraçado, meio que menospreza o ponto do que ele conquista. Sabe, não é sobre isso. Não é um mistério sobre quem cometeu o crime. Não é uma narrativa com começo, meio e fim. Sabe, como artista, eu tenho muito interesse em explorar as áreas dúbias, as áreas entre polaridades e generalizações, eu prefiro muito mais os tipos de coisas que são incertas e não resolvidas, porque eu sinto que elas estão mais próximas da bagunça da vida como muitos de nós a experimentamos, em qualquer que seja a forma. Então eu acho que a história é um pouco mais honesta em relação a isso e, sabe, é a mesma coisa com a linha do tempo, com aquela fluidez estranha, de “estamos com ele no presente ou este ainda é ele buscando logo após o desaparecimento da criança?’’. Eu acho que é bem claro. E eu acho que é onde fica poético, eu acho que essa é bem a natureza da carga emocional desses momentos. Sabe, tempo, como tema -obviamente ao lado de infância e do que significa ser criança- obviamente é a coisa mais prevalecente, como o titulo sugere, no drama e no livro. Ele é sobre a ideia de que o tempo é tão elástico, está tão relacionado à gravidade de uma situação, a um momento que torna uma coisa fugidia e assustadora e emocionante e imediata e agora, e outros momentos nos quais um minuto se estende em uma hora e vice-versa. É uma coisa que todos nós vivenciamos em relação à tragédia e à alegria, velhice e juventude. E a memória brinca com nossa ideia de tempo tanto quanto qualquer dos extremos da nossa experiência da condição humana. Então eu acho que, obviamente nessa situação, nessa situação muito extrema, essa é uma coisa que nós queríamos explorar. Então, isso está no filme, é uma parte intencional do formato, o que eu acho que, sabe, confundiu algumas pessoas, mas, como eu disse, não assista se você quer uma coisa com desfecho rápido e certinho. É uma narrativa complexa, muito humana.
Jace: Não, pois então. Pra mim, é sobre o fato de que existem alguns mistérios que não são e nunca poderão ser solucionados. E isso meio que é… a essência da condição humana é que nós nunca conseguimos as respostas para algumas coisas, seja uma tragédia ou uma pergunta.
Benedict: Sim, e isso por si só é parte da tragédia. Sabe, nós procuramos respostas o tempo todo em nossas vidas, é parte do propósito da nossa existência, sabe. Por que nós levantaríamos da cama todo dia se não existisse a curiosidade? E, nesse caso, ela está em “Eu consigo sobreviver? Eu consigo suportar outro dia? Eu consigo viver comigo mesmo? Eu consigo viver de novo junto dessa parceira com quem eu criei essa vida que está faltando? Pode alguma coisa boa sair dessa tragédia? E, sabe, sem spoil muito a trama, eu não diria que é um momento plenamente otimista, mas há um momento de mudança, de um futuro possível, de um grande novo começo, sem nunca esquecer do que ficou para trás.
Jace: “Ela estava ali’’, Stephen diz. “Ela estava ali, ela estava ali, ela estava bem ali’’. Como foi filmar essa cena em que Stephen conta para Julie sobre o desaparecimento de Katie?
*Clipe de The Child in Time*
Benedict: Horrível. Saber que você está prestes a explodir uma bomba, trazer uma pessoa para dentro do completo horror que você acabou de vivenciar, compartilhar uma verdade que é quase aterrorizante demais para dizer, e é, para um escritor, naquele momento. Sabe, aquela bagunça inarticulada, repetitiva de “Eu não entendo, eu não entendo’’. Ele não consegue explicar o momento, ele ainda está nele. Mas, sabe, eu considero esse momento uma coisa dolorosa de assistir, porque você está vendo alguém completamente, inesperadamente, emocionalmente perdendo o chão. E o jeito com que a Kelly reage é tão verdadeiro, é tão, tão incrível, assim como ela é. É tão honesto em relação a como seria na realidade. Faz você se sentir mal ao pensar nisso, sendo pai ou não. Eu não acho que ele tem ciência de que ele é o mensageiro. Ele não tinha pensado num jeito de contar pra ela. Eu acho que ele ainda está em absoluto estado de choque, como o trajeto percorrido no carro da polícia sugere. E, sabe, ele ainda está olhando para o gancho onde o casaco dela ainda está, para o capacete que ela usa pra patinar, para seu pequeno patinete rosa no cantinho. Kate ainda está lá, ela ainda não despareceu para o Stephen. E eu acho que o horror do que ele vivenciou o atinge com muita força quando ele conta para sua esposa. É simplesmente…é…você não consegue não ficar perturbado ao ver.
*Comercial*
Jace: O elemento mais surpreendente em The Child in Time na verdade é o final. O que você achou da revelação de que Julie estava secretamente grávida do Stephen e entrando em trabalho de parto?
Benedict: Eu acho que oferece um momento de salvação para um homem que merece um pouco disso após tudo pelo que o vemos passar. E é para ser uma surpresa, mas ele meio que tem esse conhecimento extraordinário, misterioso, no metrô onde há um momento em que ele olha – em seu pânico para chegar no hospital a tempo – é..uma criança faz contato visual com ele e meio que sorri, esse garoto de 5 ou 6 anos de idade. Um garotinho com uma expressão doce no rosto sorri. E ele olha pra baixo e sorri e pensa “oh que legal’’, e então ele olha de novo, meio que pensando “isso acabou de acontecer mesmo?’’, ele olha de novo e o garoto não está lá. E, eu não sei, eu acho que há uma sincronicidade narrativa linda entre esse momento e o relacionamento dele com sua mãe e sua mãe saber que estava grávida dele e visitá-lo quando criança. No que diz respeito a estruturas narrativas, é um código muito bonito, poético, e uma repetição daquele ciclo de eventos.
*Clipe de The Child in Time*
Jace: Pra mim, assistir ao filme como pai de uma criança de 4 anos…
Benedict: Caramba
Jace: Foi devastador. O quanto disso tudo você levava pra casa com você? Quando Julian Farino dizia corta, você…
Benedict: Absolutamente nada. Nada. Absolutamente nada. E sabe, eu não diria humor negro, mas sabe, isso ajuda no set, de certa forma. Sabe, você precisa deixar de lado muito rápido, especialmente…quero dizer, a cena em que ele está correndo por uma escola e é finalmente confrontado com a realidade de que a garota que ele achou que era a Kate não é ela. E ele sofre publicamente por ela de novo. Sabe, eu acho que aquilo foi…não sei, talvez cinco horas daquilo, de gravação daquela cena, um desmoronamento emocional sem fim e isso, sabe, aquilo foi…você está tão exausto que você quer, você tem que deixar pra trás.
*Clipe de The Child in Time*
Benedict: Eu tento demais separar minha vida pessoa do meu trabalho, a ponto de não falar muito sobre a minha vida pessoal também. Mas eu sou pai, e a ideia de ter uma coisa como essa acontecendo ultrapassa o suportável, de verdade.
Jace: Quero dizer, eu acho que usei um caixa de lenços inteira enquanto assistia a esse filme, porque foi tão angustiante. Mas acaba terminando num momento real de alegria e possibilidade.
Benedict: Sim, eu também acho. Quero dizer, não quero negar que é um filme difícil de assistir. Mas eu realmente acho que há salvação e alegria reais para esse personagem, e o drama termina mesmo numa nota de esperança.E eu acho que isso é bem crucial, porque é uma coisa muito difícil de processar. Mas, como eu disse, apesar de esse ser o problema central, o evento cataclísmico que move esse personagem, você vê uma análise da infância, da educação, da paternidade e do que o governo faz para interferir nisso, tanto como a instituição reguladora de um Estado de pessoas, ou política de educação ou o que quer que seja que tenha influência nisso, seja, sabe… vacinas ou promover um tipo de alfabetização em determinada idade, ou o aprendizado em determinada idade, todas essas coisas são parte da metalinguagem do significado de ser uma criança em qualquer período da sua vida. O filme toca em muitos temas, mas seu centro é essa tragédia que depois tem um momento de alegria e salvação no final.
Jace: Para terminar, você tem Patrick Melrose chegando nos EUA no dia 12 de maio pelo Showtime. O que você pode nos dizer, rapidinho, sobre ela?
Benedict: Eu posso dizer que nós temos trabalhado muito duro para deixá-la pronta a tempo do lançamento em maio, isso é certo. Eu estou muito entusiasmado com como ela está ficando. Foi uma filmagem muito extensa que durou mais de cinco meses, e nós reunimos um elenco extraordinário em torno das adaptações incríveis que David Nicholls fez dessas que eu considero verdadeiras referências da literatura do século 21 e a forma dos cinco romances de Patrick Melrose escritos por Edward St. Albyn. E eles acompanham a vida de um homem dos seus cinco anos até quase seus cinquenta. E é a história de uma criança que é abusada por seu pai, e que então nós encontramos uma década depois como um viciado em drogas, como alguém que se encontra no meio do vício tanto de heroína e cocaína quanto álcool, para então, no terceiro capítulo ficar sóbrio, mas à deriva e sem um propósito, e então no quarto capítulo, ele está casado e tem sua própria família e seu pai – não, espere, seu pai morre no segundo livro. Sua mãe, de quem ele ainda está cuidando, começa a deserdá-lo, e todos os antigos demônios retornam à superfície de novo. E então, no quinto livro, você o vê, por flashback, lutando contra o alcoolismo que esse trauma desencadeou. E é no velório de sua mãe onde ele finalmente compreende o papel de cúmplice dela, bem como seu papel de vítima no relacionamento muito abusivo que ela tinha com seu pai. Soa muito sombrio, de novo, mas, na verdade, é uma das obras mais magistralmente cômicas e sagazes da prosa inglesa que eu já tive o prazer de falar, na tradução da escrita de Edward feita pelo David, e dirigido por um cara fantástico chamado Edward Berger, que fez uma série chamada Deutschland 83, gravada com grande estilo visual por ele e pelo diretor de fotografia vencedor do BAFTA James Friend. E eu acho que vocês vão gostar. São cinco filmes bem diferentes, com um personagem extraordinário no centro deles. E nós estamos cercados por um elenco maravilhoso, incluindo Jennifer Jason Leigh, Hugo Weaving, Holiday Granger, Pip Torrens, Jessica Raine, James Feat e, claro, a maravilhosa Indira Varma também. Eu acho que vai ser uma experiência muito rica para os telespectadores, e uma experiência desafiadora, mas muito agradável. Ele é uma criação brilhante que, mais uma vez, está buscando a salvação e o equipamento especial necessário para se libertar da gravidade dos seus dias como um criança abusada. E, sabe, sem dar spoilers, ele meio que consegue e o momento de salvação é muito lindo, delicado, no final de uma trajetória muito traumática e meio engraçada também. Então, sim, eu acho que vai ser bem divertido.
Jace: Bom, muito obrigado, Benedict Cumberbatch.
Benedict: De nada, obrigado por me receber.
Tradução: Gi | Fonte
Vocês podem baixar o podcast pelo site do MASTERPIECE, pelo Itunes ou pelo Stitcher.