O Banco da Inglaterra divulgou hoje que Alan Turing foi a figura escolhida para estampar as novas notas de £50!
Benedict, que interpretou Turing em O Jogo da Imitação, um de seus projetos favoritos, falou sobre a notícia ao programa vespertino de notícias PM da BBC Radio 4. Confiram abaixo a tradução completa da entrevista, cujo áudio ficará disponível aqui (dos 26min58s aos 32min32s) pelos próximos 29 dias:
PM: Ao trabalhar no filme, Benedict Cumberbatch tornou-se um grande admirador de Alan Turing. Eu falei com ele mais cedo e ele ficou muito feliz com a notícia de que Turing recebeu este reconhecimento.
Benedict: Eu estou imensamente extasiado e também aliviado. Eu lembro que, na época que nós estávamos promovendo o filme, eu comentei algo no sentido do quão surpreendente eu achava o fato de que ele ainda não havia sido celebrado desse jeito, que seria ótimo tê-lo numa cédula. Então hoje parece uma resposta àquele questionamento. E, sabe, eu não consigo pensar num candidato mais merecedor. Ele foi um ser humano extraordinário, uma mente singular, ele sofreu muito numa época muito intolerante. O que, felizmente, nosso governo consertou agora e desculpou-se, depois veio o perdão real e agora temos a cédula. Parece que está sendo feita uma reabilitação da reputação dele, o que é ótimo.
Infelizmente, ainda vivemos numa época na qual existe uma quantidade enorme de intolerância. Então, também por esse motivo, eu acho que [hoje] é um dia muito importante, já que há tantos países pelo mundo onde a homossexualidade ainda é considerada um ato ilegal.
É incrível refletir sobre o quão longe as coisas chegaram, o quanto elas mudaram. Estamos a menos de uma vida de distância da castração química dele a mando do governo, para agora ele estampar uma cédula. É incrível.
Sim, é incrível. E é apropriado e certo. E eu espero que seja uma mensagem que vai reverberar pelo mundo. [Uma mensagem] sobre o quão errado é difamar um homem ou uma mulher por causa de sua sexualidade. E sobre a ironia profunda, eu suponho, de um homem que trouxe tanta liberdade e esperança e salvação durante a Segunda Guerra Mundial, ao quebrar o código Enigma e triunfar sobre a inteligência e o sistema de comunicação alemães, permitindo que nós soubéssemos o que eles estavam fazendo e os Aliados pudessem vencer a Segunda Guerra Mundial. Ele deveria ser recompensado por ter sido perseguido e castrado quimicamente. É profundamente transtornante. Então, este é um ótimo momento no qual a História pode consertar esse erro, não apenas o vindicando, mas o celebrando desta forma.
Parece que o público foi entendendo e apreciando o Alan Turing e sua contribuição aos poucos. Talvez o filme – o filme tanto refletiu o fato de que as pessoas estavam começando a entender a grande figura que ele era, como ajudou a promovê-lo, eu acho.
Eu espero que sim. E eu acho que, assim como muito da cultura pop, ele meio que cristaliza as complexidades de uma história, de um homem e de uma época, com uma certa parcela de liberdade criativa, mas isso significa que as três maiores pressões na vida dele – seu trabalho como matemático e filósofo e cientista da computação, o trabalho que ele fez quebrando o código Enigma e a injustiça que ele sofreu no final de sua vida – foram amalgamadas numa única história, o que me tirou o fôlego. Eu me lembro de pensar, na época, “eu não entendo como esse homem ainda não está estampado numa libra”, sendo que outros cientistas já tiveram essa honra, considerando de que tamanho a contribuição dele foi e continua sendo. E, também, seu sofrimento e o legado desse sofrimento, socialmente e politicamente, como sendo tão importante quanto seu trabalho foi para o mundo da ciência, da matemática e da computação.
Falando no personagem em si, eu não sei quanta pesquisa você faz sobre como a pessoa era de verdade. No filme, ele é bem idiossincrático, não é? Muitas pessoas acham difícil sentir simpatia por ele, às vezes. Alguns colegas até sentem um pouco de inveja dele, eu acho.
Sim. Essa parte tem um grau de realidade bem significativo. Eu acho que ele era um homem independente, trabalhava de um jeito bem particular e nem sempre fazia amigos. Mas ele também era muito charmoso e leal e sagaz e engraçado, frequentemente às próprias custas. Ele era peculiar, e eu acho que ele agia de um jeito particular porque ele realmente estava tentando encontrar rotas por dentro das formas com as quais nós nos enxergamos no mundo, no níveis mais complexos e profundos. E eu acho que isso fez dele um pouco socialmente inepto, às vezes, porque ele estava lidando com coisas num nível que é – quer dizer, eu tento pesquisar – mas num nível que está muito além do meu e de muitos de nós, então eu meio que perdoo todas as excentricidades dele.
E, sabe, eu acho importante saber que, por mais que ele fosse visto como um outsider, eu acho que muito disso tinha a ver com como ele se sentia em relação a si mesmo e com como ele foi solitário durante os anos de escola e com o bullying que ele sofreu na escola e com como ele perdeu sei primeiro amor também. Ele teve uma infância trágica, longe dos pais por boa parte dela, e eu acho que isso o afetou profundamente. Há alguma coisa muito solitária em relação a ele como pessoa. Então, eu amo que agora nós estamos tendo esse momento de reavaliação e aceitação dele, e dando a ele a generosidade e gratidão que ele merecia tanto durante sua vida e tragicamente não teve a chance de ver. Mas realmente parece que estamos finalizando um ciclo.
Uma vida muito solitária de várias maneiras –
Mas ele teve ótimos relacionamentos.
Não, mas é que –
Ele casou-se com a Joan [Clarke], com quem ele trabalhou junto, eles eram amigos muito, muito próximos. Foi um casamento de conveniência, [mas] eles se amavam. Mas ele formou laços importantes e duradouros apesar de seu comportamento ser visto como excêntrico às vezes.
Quando nós colocamos uma pessoa numa cédula, ou quando a reconhecemos, geralmente estamos falando tanto sobre nós mesmos naquele momento – e o que queremos expressar sobre nós mesmos – quanto da história de tal pessoa. Pergunto-me se o progresso que nós fizemos é frágil de alguma forma. Este é o jeito do Banco da Inglaterra dizer: “Neste momento, quando existem pontos de vistas conflitantes em relação a uma sociedade liberal, nós precisamos preservar esse progresso”?
Meu Deus, essa é uma pergunta complicada. Eu acho que sim, eu espero que sim. Eu espero que seja uma mudança cultural. Mas, como eu disse anteriormente, eu acho trágico como está infelizmente não é uma verdade universal no mundo em que vivemos. Há parcelas grandes da nossa população, países e leis que ainda proíbem a homossexualidade. E, algumas, com a morte como punição, como sabemos pelas notícias recentes sobre Brunei. É um lembrete brutal de como ainda precisamos ser vigilantes e lutar por tolerância e compreensão e inclusão. Então, se a ideia do Banco da Inglaterra é ajudar nisso, toda força pra ele.
A decisão veio após um processo seletivo que começou no ano passado e contou com mais de 227 mil indicações feitas pela população num período de seis semanas e incluiu 989 personalidades da área científica. Este número então foi reduzido para 12 pelo comitê responsável do Banco, que enviou a lista final para o diretor da instituição, Mark Carney, para que ele tomasse a decisão final. Carney declarou que:
Alan Turing foi um matemático excepcional cujo trabalho teve um impacto enorme na forma como vivemos hoje. Como o pai da ciência da computação e da inteligência artificial, bem como um herói de guerra, as contribuições de Alan Turing foram extensas e pioneiras. Turing é um gigante em cujos ombros muitos apoiam-se agora.
Estima-se que a nova nota entrará em circulação até o final de 2021, com esta arte:
Uma pessoa no Twitter reparou num detalhe muito especial: ao converter o número binário que aparece na faixa branca em decimal, obtém-se o número 23061912. Alan Turing nasceu em 23 de junho de 1912. ❤