O jornal britânico The Times publicou hoje uma entrevista sobre Brexit: The Uncivil War (Brexit: A Guerra Incivil, em tradução literal) concedida por Benedict e James Graham, roteirista do telefilme. Confiram abaixo:
A dramatização da campanha pró-Brexit produzida pelo Channel 4 pode surpreender espectadores de ambos os lados.
Por Stephen Armstrong
Nestes tempos polarizados, qualquer tentativa de discutir o referendo da União Europeia implicará ataque com vitríolo por um lado ou pelo outro. Ainda assim, Brexit: The Uncivil War, o relato detalhado da controversa campanha da Vote Leave, com Benedict Cumberbatch interpretando seu diretor, Dominic Cummings, é único em ser atacado por ambos os lados antes mesmo de alguém tê-lo visto.
“As pessoas que votaram pela saída assumem que o filme vai retratá-las sob uma luz questionável – e as pessoas que votaram pela permanência ponderam se é ou não é cedo demais para fazer este drama”, Graham diz quando nos encontramos no Hyde Park. “Eu discordo de ambos. Nós provocamos ambos os lados igualmente e, apesar de eu entender que investigações criminais e inquéritos existem – Cristo, a história vai se estender por 10, 15 anos – nós precisamos começar, e há um propósito ou poder num trabalho dramático se você o produz no epicentro”.
Esta é uma posição que Graham ocupa com alegria. Sua peça The Vote foi uma apresentação única no Donmar Warehouse na noite das eleições de 2015 e incluiu os resultados das urnas em tempo real. No entanto, tanto Graham quanto Cumberbatch votaram pela permanência na UE, e o ator de Sherlock se juntou a 300 outras estrelas ao assinar uma carta alertando que votar pela saída “prejudicaria” a indústria criativa.
Por isso, as suposições iniciais foram que o trabalho era demasiadamente tendencioso. Quando uma cópia do roteiro em estágio inicial vazou online, todo mundo, de Steve Bannon a Arron Banks, o condenou dizendo que era uma coleção ilógica de inexatidões factuais. Andy Wigmore, aliado de Banks, temeu que eles seriam representados como “idiotas”. Histórias posteriores alegaram que Cumberbatch e Graham estavam divididos em relação a quão vil a representação de Cummings deveria ser, com Cumberbatch supostamente querendo ser mais soturno.
Mas Cumberbatch rejeita essas suposições. “Eu acho que James tem muito menos agenda que muitas dessas pessoas que o estão criticando”, ele diz. “Ele é mais justo do que muitas pessoas em ambos os lados do debate. Para mim, entrar na mente de Cummings foi uma questão de me virar para um argumento e ouvir muito mais do que eu ouvi durante a campanha. Você é forçado a realmente entender e encontrar empatia. Eu precisava torná-lo mais simpático, não menos. É isso que tem faltado nessa história toda, porque nós estamos constantemente procurando por vilões e mocinhos num lado e no outro”.
Apesar de Graham insistir que “os roteiros vazados foram rascunhos iniciais – quase tudo estava mudando”, algumas alegações estavam certas. Banks e Farage foram retratados como palhaços vulgares, aparecendo e sumindo da tela como uma versão racista de O Gordo e o Magro. Banks aparece em sua primeira cena parecendo Ray Winstone em Sexy Beast; Farage chega de helicóptero, com um sorriso imbecil. Enquanto isso, Gove é pusilânime e Boris Johnson é…bom, um tolo oportunista que vive divagando.
Se a imagem de alguém sai bem do filme é a de, bom, Cummings, o que surpreendeu o próprio Graham. Após ler All Out War, um relato do referendo escrito pelo editor político do The Sunday Times, Tim Shipman (que virou consultor do filme), e Unleashing Demons, escrito pelo diretor de comunicações de David Cameron, Craig Oliver, ele se deu conta de que as vozes mais importantes ficaram nos arredores da percepção do público.
“Os dois primeiros rascunhos eram ambientados em Downing Street, com George Osborne como personagem principal [Osborne ajudou na pesquisa para Coalition, relato de Graham sobre as eleições de 2010], mas eu precisava de um protagonista engajado que toma decisões, e Dominic é o agente da mudança”. Graham dá de ombros. “Ele era o motor para dirigir o drama. Eu me encontrei compreendendo-o e sentindo empatia por ele acidentalmente”.
Para interpretar o papel, Cumberbatch raspou a cabeça diariamente para imitar os fios finos de Cummings. Suas narrações parecem uma luta interna, e ele quebra a quarta parede repetidamente numa sequência de abertura abarrotada de encontros pós-referendo onde as pessoas claramente nunca ouviram falar dele, tudo intercortado com seu monólogo falado de dentro de um depósito de loja escuro e cheio de caixas. “Todo mundo sabe quem venceu”, ele diz. “Mas nem todo mundo sabe como”.
O filme então parte para um relato dos primeiros dias, num estilo meio le Carré-encontra-Trainspotting. Nós vemos o estrategista Matthew Elliott e o Douglas Carswell do Ukip organizando encontros clandestinos na National Gallery, igual a Bond e Q em Skyfall, antes de preparar Cummings com a ideia de que o sistema nunca o escutou, mas de que o voto é uma chance de mudar isso. Ele investiga os pubs do Reino Unido, encontrando pessoas que se sentem zangadas, excluídas, ignoradas, que não confiam em instituições, mas amam o NHS¹ e acham que ele está condenado. Ele começa a fazer dessas pessoas um alvo, usando marketing digital e a infame mensagem “Retome o controle”, alienando parlamentares eurocéticos a torto e a direito.
“Mas, após receber a campanha, ele a honrou brilhantemente naquele grupo chave que a apoiou, com a mensagem de retomar o controle, de novo e de novo. Parece simplista, mas eu não acho que os que votaram pela permanência realmente faziam ideia de qual mensagem queriam passar. Corbyn não mudou sua cabeça desde que tinha 15 anos, então eles não puderam ter um consenso interpartidário”.
Realmente, Graham pinta o lado que votou pela permanência como presunçoso, desorganizado e desinformado, lutando para reagir a um iconoclasta de alta tecnologia. “Eu gosto de pegar pessoas improváveis pelas quais o público não tem nenhuma simpatia”, ele diz, “e aplicar a narrativa de azarão de filmes esportivos onde você esquece as consequências no mundo real e está com as pessoas lutando contra o sistema, e ninguém acha que eles vão ter sucesso. É bem sedutora, essa imprudência indiferente. Tenha você votado para ficar ou sair da UE, todo mundo está vagamente contra o sistema no momento. É revigorante testemunhar as pessoas abrindo um pouco os olhos e não querendo enrolação, da forma com que algumas pessoas da campanha pró-Brexit fizeram”.
Quando o assunto é manipulação de dados – uma história em constante evolução – nós vemos Cummings tendo reuniões secretas com americanos e construindo um software chamado sistema de Coleção de Intenções de Votos para conectá-lo com pessoas pró-Brexit excluídas. O roteiro passa cuidadosamente pela discussão, com sugestões e insinuações ao invés de um drama investigativo.
“Este é o novo território que precisa responder aos processos democráticos o tempo todo”, Cumberbatch diz. “Cummings é honesto. Ele tentou causar uma revolução e esperou que alguma coisa preenchesse o vazio – mas isso não aconteceu. Quaisquer que sejam minhas circunstâncias, elas são o oposto exato da parcela da população que ele colocou como alvo. Eu sou um ator que está chegando à meia idade, então quem liga se estou certo ou errado?
O que realmente me chateia é que as pessoas que queriam que a mudança afetasse suas vidas de uma forma positiva serão traídas mais uma vez, e alienadas ainda mais por um processo que não lhes dá a chance de se sentirem mais no controle”.
Numa era em que o drama televisivo está se tornando um documento histórico – o reino da Rainha será julgado com base em The Crown ao lado de qualquer história oficial – esta primeira tentativa de explicar o referendo deve ser levada a sério.
Mas, de acordo com Graham, é apenas o começo. “Eu amaria pensar que esta será a versão definitiva sobre o Brexit, mas é claro que ela não é. Olhe o número de dramas feitos sobre as Ilhas Malvinas. Só espero que o Twitter seja gentil.
Brexit: The Uncivil War estreia dia 7 de janeiro no Channel 4.²
¹Abreviação de National Health Service, o serviço nacional de saúde do Reino Unido, equivalente ao nosso SUS.
²Lembrando que, infelizmente, ainda não há informações sobre o lançamento do filme no Brasil.
O jornal também divulgou uma nova foto oficial do drama: