A revista britânica The Spectator publicou hoje em seu site uma excelente entrevista concedida pelo Benedict à esposa de Dominic Cummings, quem ele interpreta em Brexit: The Uncivil War, Mary Wakefield.
Ela conta como foi o encontro dos três na casa do casal e questiona Benedict sobre seu processo criativo e sobre como é interpretar uma pessoa com uma opinião política tão diferente da sua, já que Dominic foi a mente por trás da campanha Leave, aquela a favor da saída do Reino Unido da União Européia; e Benedict abertamente apoiou a campanha Remain, aquela a favor da permanência do país na UE, contra o Brexit.
Além disso, a revista traz a informação de que o telefilme irá ao ar no mês que vem! Confiram abaixo a tradução:
Por Mary Wakefield
Imagina olhar para a foto de um estranho e sua reação ser um sentimento, bem natural, de feliz afeição que você talvez sinta por um companheiro. Bom, é estranho. Em julho deste ano, quando Benedict Cumberbatch estava filmando o filme do Channel 4 sobre o Brexit (Brexit: The Uncivil War), um amigo me mandou algumas fotos por mensagem de texto, fotos que tabloides tiraram do set. Benedict interpreta meu marido, Dominic Cummings, diretor da campanha Leave, e as fotos foram tiradas de longe e estavam turvas: Ben/Dom empurrando seu filho no balanço; Ben/Dom beijando sua esposa.
O verdadeiro filho do Dom e eu estávamos na metade do nosso cereal matinal quando as fotos chegaram e eu lembro de como eu fiquei chocada. Não é que eles se parecem. “Nossas cabeças têm formatos diferentes”, Cumberbatch me disse depois. “Dom é mais alto do que eu, eu acho, e ele tem um maxilar mais protuberante. E um pouco de mordida cruzada anterior”.
Mas o jeito de se portar, o jeito de mexer a cabeça e as mãos, a postura, estavam todos perfeitos. “Quem é?”, eu disse ao mesmo filho de dois anos, passando-lhe o celular. Ele olhou para mim como se eu estivesse louca: “Papai. É o papai, mamãe”.
A visita foi no começo de junho, quando as noites eram longas e quentes e o gabinete ainda não tinha traído as promessas de respeitar o referendo. Dom é terrível em passar informações (“Pode ser que ele apareça – acho que ele é vegano”). Então eu não estava realmente esperando Benedict Cumberbatch aparecer na nossa casa. Parecia uma possibilidade muito surreal. Contudo, eu deixei tudo pronto: flores, torta vegana. Tudo que eu sabia sobre o Cumberbatch politicamente é que ele fez campanha para a Remain. Temo que eu tenha assumido que ele aceitou o papel de Dom pelos mesmos motivos que levaram Ralph Fiennes a fazer o Voldemort ou Christopher Lee a fazer o Drácula.
Ele chegou à porta esguio, educado e estranhamente familiar, do jeito que as pessoas famosas o são. Eu o levei para a cozinha no andar de baixo, para dentro da cena feliz que eu tinha preparado para ele e rapidamente me dei conta do meu erro. Ele era amigável, curioso – mas não tinha vindo julgar o Dom. O roteiro estava pronto. Ele tinha vindo para se transformar nele.
“Eu aceitei o papel por causa do roteiro”, Cumberbatch me diz agora. Ele não está fazendo divulgação do filme sobre o Brexit, mas ele gentilmente concordou em conversar comigo sobre o estranho negócio de se transformar em outra pessoa.
”Eu sou um grande fã de James Graham desde This House e eu pensei em como era extraordinário estar lendo um roteiro que parecia um thriller, sendo que eu sei o final. Fui sugado para dentro dele – seus personagens, a inteligência deles, o humor sagaz dele, o poder emocional do drama. Eu me dei conta de que é isso que o drama é capaz de fazer quando é o seu melhor”.
Foi um resultado inesperado para muitas pessoas, não foi?
“Na hora, não tem como você prever e entender o significado desses eventos. Eles simplesmente acontecem, e então boom. A campanha foi uma história extraordinária – umas das histórias mais extraordinárias na história da política. O filme realmente encapsulou isso pra mim. Interpretar seu marido foi um papel e tanto!”.
Foi uma coisa e tanto ver Benedict Cumberbatch se preparar para interpretar meu marido. Ele se sentou à freante do Dom às 20:30, mais ou menos, naquela noite de verão, com uma pose que eu imagino que seja muito Cumberbatcheana: as pernas dobradas embaixo dele, alerta, inclinado para frente, com a cabeça erguida. “Só água, por favor, eu não sou de beber”. Às 22:30, ele estava inclinado para trás, com uma taça de vinho tinto na mão, assim como o Dom. À 1 da manhã, ele era a imagem refletida do seu objeto de análise. Foi uma cena à la teste de Rorschach. Ambos os homens reclinando, cada um com um braço atrás da cabeça.
“Eu notei o jeito com que o Dom coloca a mão dele sobre a cabeça”, diz Cumberbatch. “O jeito com que ele coça a cabeça com frequência. E ele descansa a dobra do cotovelo no topo da cabeça. Ele opina com segurança, mas ele também escuta com atenção. O que mais? Aquele ”r” suave. Eu não sei se é uma coisa de Durham ou uma coisa específica do Dom. O formato do maxilar dele é diferente do meu, então o sotaque não foi fácil”.
Quer dizer então que o formato da boca afeta o sotaque? “Sim, com certeza, afeta. Seria muito difícil para mim manter aquele sotaque sem algum tipo de cirurgia, e eu não acho que posso ir tão longe!”. Ele ri.
Quando eu os deixei lá na cozinha nas primeiras horas da manhã, Cumberbatch estava genuinamente tentando entender a visão que o Dom tem do Brexit. Como você começa a entrar num personagem com ideias tão diferentes das suas?. “Para começar, você se abre – você tem uma empatia natural, eu acho. Não estou falando isso por sua causa, mas por mim, eu sinto uma empatia natural pelo personagem que eu interpretei e eu gostei da ideia de tentar habitar parte da vida dele, intelectualmente e fisicamente também. Eu gosto do processo de transformação e de me afastar de mim mesmo para dar espaço às ideias de outra pessoa”.
E quanto à difícil questão de ter que encarnar o Dom fisicamente? Ele está tão parecido com ele no trailer. Seu jeito de falar e mover está tão perfeito que é difícil não imaginar que ele está tendo pensamentos como os do Dom.
“É isso, sim. Eu acho que a postura afeta tudo, desde o batimento cardíaco até a inspiração até o jeito que você pensa”.
E…por que fazer tudo isso? Não há uma necessidade real para uma semelhança tão assustadora, está lá – considerando que o personagem transcende a realidade e se torna uma coisa em si mesmo? Por que é importante que seja tão perfeito?
“Está é uma ótima pergunta. Eu acho que você meio que tem uma responsabilidade. As pessoas sabem mais sobre os políticos que estavam na mídia durante a campanha, ao invés daqueles que estavam do outro lado, como o Craig Oliver e o Dom. Sinto que representá-lo corretamente é uma responsabilidade”.
Alguma coisa em relação ao Dom o surpreendeu?
“Bom, ele é muito equilibrado…e, ao mesmo tempo, ele tem senso de humor e ele consegue rir de si mesmo e de outras coisas. Ele não é um sociopata”. Após algumas das coisas que eu li sobre o Dom, isso é um alívio.
A última vez que eu tinha conversado com um ator sobre atuação foi há uma década, mas eu penso nisso desde então. A Dama Eileen Atkins me explicou que às vezes você simplesmente desaparece dentro de um personagem no palco. Ela disse (sobre atuar no teatro): “Em raras noites, quando o clima está certo, você tem essa experiência transcendental. É quase indescritível, mas é como se o personagem que você criou na sua mente e ensaiou tomasse conta de verdade”. Isso também acontece com o Cumberbatch?
“Há momentos assim. Existe um fluxo, sabe. Você meio que não está no passado ou no futuro; você está no presente, a coisa simplesmente está acontecendo. Seu objetivo é uma tomada assim, mas, se você está no set de um filme, você pode sentir isso e ela pode não estar correta tecnicamente”.
Isso parece irritante, eu digo. Diz muito sobre Cumberbatch o fato de ele imediatamente ver a situação pela perspectiva das outras pessoas no set.
“Bom, sim, mas é irritante para o operador de camera que acabou de gravar tudo corretamente para aquela tomada quando você diz ‘não, eu acho que errei na inflexão, eu deveria estar olhando para aquela linha e oh, Deus, eu disse Remain ao invés de Leave!”’.
”E, às vezes”, ele diz, “é menos uma questão de fluxo e mais uma questão de bater na minha cabeça enquanto esfrego minha barriga. Um pouco parecido com quando eu estou em Sherlock e estou tocando o violino. Quero dizer, eu nem sei como violinistas conseguem segurá-lo – demora uma vida para aprender. Toda vez que eu escuto o que eu toquei, é simplesmente embaraçoso. E no filme do Brexit tem uma cena em que estou escrevendo numa parede de vidro enorme e estou desenhando gráficos de demografia – há um clipe onde eu estou falando sobre os que apoiam a Remain enquanto escrevo “Dentro” ou ”Fora”. Eu acho que é quando eles estão falando sobre a Remain e a Leave e coisas assim. Além disso, eu preciso acertas as falas, eu preciso acertar cada movimento, eu preciso responder aos meus colegas e falar o diálogo rapidamente. Eu preciso que a escrita seja legível e, ao mesmo tempo, dar dinamismo à cena…mas, ao mesmo tempo, preciso ser exato. É difícil, nesses casos, não pensar nas questões práticas. É difícil estar no momento”.
E houve momentos em que ele sentiu seu Dom tomando conta, em que ele sentiu que o fluxo estava presente? “No armário das vassouras, quando ele meio que é o cérebro dentro do cérebro das operações”.
Na manhã seguinte à nossa noite com Benedict Cumberbatch, Dom disse que ele se divertiu muito conversando com seu alter ego. Independentemente de como o filme tenha ficado, ele disse que não conhece muitos parlamentares que são tão bem informados e agradáveis quanto ele.
Quando eu falei com Cumberbatch na semana passada, não falamos sobre os acertos e os erros do Brexit. Estou exausta de falar da UE agora. É como um jogo de cardas inútil: você joga sua carta de UE civilizada e operativa; eu jogo minha carta de um futuro distópico. Você joga sua carta de um apoiador da Leave racista e zangado; eu jogo a minha de um parlamentar corrupto alegando despesas que ninguém nunca checa.
Mas, para mim, o fato de alguém que acredita na UE esteja disposto a habitar a pele de alguém que não acredita parece uma faísca de esperança. É disso que todos nós meio que precisamos agora, não é? Eu pergunto ao Cumberbatch.
“Bom, provavelmente”, ele diz. “Eu tomo muito cuidado para não parecer verboso ou moralizante, mas é uma questão de ouvirmos uns aos outros, todos nós. E levar em consideração o ponto de vista de outra pessoa é parte do caminho em direção a isso”.
Brexit: The Uncivil War será exibido no Channel 4 no mês que vem.
Quem quiser pode ver o trailer legendado do telefilme aqui:
Tradução: Gi | Fonte
A entrevista também aparece na edição de 15 de dezembro da revista.