O site do jornal The Guardian conversou com Benedict sobre o filme Doutor Estranho. Leia aqui a tradução da matéria!
A estrela de Sherlock entra para o cenário de super-heróis como o psicodélico ”mestre da magia negra”, capaz de entortar o tempo e o espaço. Mas será que a aposta alucinante da Marvel vai valer a pena?
”Sabe, toda vez que eu me aventuro mais fundo na ciência com meu cérebro do tamanho de uma ervilha, eu me cano”, diz Benedict Cumberbatch, contemplando as grandes questões da vida. Ele está portando um cavanhaque e tem um amuleto amarrado a seu peito.”Eu tenho um senso de fascinação pelo que está além da nossa compreensão”, ele continua. ”Há maravilha na lógica, e, seja numa escala macro ou micro, ela fica bizarra, extraordinária, incomensurável. E nós temos só cinco sentidos para compreendê-la e apreciá-la, seja na física teórica ou microbiologia ou ritmos circadianos. É incrível”.
As considerações de Cumberbatch sobre a interseção entre ciência e fé estão sendo entregues num estúdio de som frio na saída da estrada A308. Uma cicatriz em sua bochecha e flancos grisalhos em seu cabelo, ele está vestido como Doutor Estranho, o próximo super-herói protagonista do Marvel Studios. Por uma sinistra coincidência, a história de Strange, a mais recente a emergir do universo cinematográfico multidimensional da Marvel – essas dimensões sendo filme, camiseta, lancheira – é sobre espaço e tempo e religião e misticismo. Também inclui Tilda Swinton como um monge imortal de kung fu.
É justo dizer que este novo super-herói não é o nome mais famoso no tabuleiro de personagens da Marvel. Mas também, ele é um pouco extravagante. ”Eu não conhecia Doutor Estranho quando era criança, de forma alguma”, diz Cumberbatch. ”Então, venho colocando as coisas em dia rapidamente. Mas assim como todos os quadrinhos nas suas origens, eles são bem ligados à era em que nasceram, e então, você sabe, este saiu de uma era de psicodélicos e drogas experimentais”.
Listado como o ”mestre da magia negra”, Doutor Estranho foi criado em 1963 por Steve Ditko, um dos artistas definitórios da Marvel Comics. Stephen Strange foi um neurocientista jovem e egoísta cuja vida foi estraçalhada quando ele sofreu um acidente de carro e perdeu o uso de suas mãos. Procurando sentido em sua vida, Strange começou uma peregrinação em direção ao oriente e encontrou uma fonte de magia num santuário tibetano.
Instruído por um guru chamado O Ancião e recebendo a posse de não só seu amuleto – o Olho de Agamotto – mas de uma capa consciente também, Strange retornou para o ocidente como Feiticeiro Supremo. A partir daí, ficou mais esquisito, já que, não satisfeito com descrever magia, Ditko levou o Doutor Estranho para aventuras em outras dimensões, criando cenários espaciais surreais com estruturas que pareciam ter caído de uma pintura de Kandinsky. Os painéis de Ditko eram vibrantes, um pouco doidos, mas também prescientes. Na segunda metade da década de 60, Doutor Estranho tinha seu próprio título, e qualquer um muito interessado nos psicodélicos tinha um novo super-herói favorito.
Assim como os próprios hippies, Strange já entrou e saiu de moda desde então. Mas agora, em 2016, seu grande momento chegou. Ao lado de Cumberbatch, um elenco de primeira classe foi reunido, incluindo Swinton (como O Ancião), Chiwetel Ejiofor, Mads Mikkelsen e Rachel McAdams. Uma equipe de produção de mais de 500 pessoas criaram tudo, de teatros funcionais em funcionamento até interiores opulentos do Greenwich Village. Eles até mesmo construíram uma rua inteira de Hong Kong – incorporando 35 lojas estocadas de mercadorias – com o único propósito de destruí-la numa luta. E, é claro, existem os efeitos especiais. A cena mais famosa do filme joga Strange numa Manhattan que se dobrou em si mesma. E não de uma forma metafórica. Espectadores podem esperar, com razão, a versão da Marvel de A Origem ou Matrix; a frase mais comumente usada no set é ”de dobrar a mente”.
Em uma indústria cinematográfica que está cada vez mais atormentada por pesadelos de blockbusters de muitos milhões de libras trovejando em suas orelhas, e depois de um ano de surras críticas em filmes de super herói como Esquadrão Suicida, a Marvel ainda tem um orgulho palpável. Estar no set é sentir o peso do dinheiro e da ambição dela. Essa escala apela às pessoas, mas também apela ao talento que consegue trabalhar em um ambiente onde tudo é possível. Com todos os recursos à disposição, é o equivalente profissional a uma varredura de supermercado no Hamleys [loja de brinquedos].
Quando nos encontramos com Cumberbatch, ele está numa pausa de uma cena de luta no qual Strange tem que derrotar um oponente enquanto conduz o tráfico interdimensional através de um portal. Uma chegada tardia na cena elástica, ele já tinha se preocupado que ele pudesse se tornar o único ator britânico sem sua própria franquia de super herói?
“Eu sei o que você quer dizer, mas não”, ele ri. “Eu não tenho uma lista de afazeres. Eu, no entanto, no passado, tenho passado por um dos maiores momentos de mudança de vida na minha vida pessoal [ele se tornou pai em junho do ano passado], e também Hamlet, e agora estou aqui. A alegria disso está no contraste. Eu literalmente voei para Catmandu [onde Doutor Estranho foi filmado em parte] dois dias depois de terminarmos Hamlet. Foi uma mudança de marcha enorme, mas eu adoro o que é ser parte deste enorme corpo de trabalho e pessoas. É muito divertido.”
A maioria dos entrevistados conectados com filmes da Marvel declarará um amor profundo pelos quadrinhos. Cumberbatch não consegue bem congregar isso e também se declara um pouco sensível demais para ter consumido a maior parte do trabalho anterior do seu diretor, o amante do terror Scott Derrickson (A Entidade, Livrai-nos do Mal). Mas ele está interessado em toda essa besteira metafísica.
“O espiritualismo continua brotando de muito, muito anos, e os anos 60 foram um momento em que as pessoas começaram a procurar alguma coisa além do material”, ele diz. “Mas como você casa isso com o mundo moderno? E, é claro, parte da resposta no cinema é levar as pessoas a uma jornada que está quase além da imaginação mas é agora possível através de efeitos de ponta, manipulações, paisagens e ambientes digitais que vão, eu acho, ser impressionantes neste filme. E muito engraçadas, o que é a outra coisa que eu achei que fosse muito importante. Sabe, este personagem poderia ser muito piegas.”
Outro elemento dos quadrinhos originais que parece fora de elemento em 2016 foi a retratação do povo asiático como mestres do kung fu vestidos de túnicas coloridas. O filme tem um elenco etnicamente variado mas cortejou a controvérsia ao dar a uma mulher branca — Swinton — um papel interpretado nos quadrinhos como um homem asiático. Diz o produtor executivo Stephen Broussard: “Nós abordamos [a etnicidade no filme] de um lugar honrado. Queremos mostrar coisas que são novas. Eu estou orgulhoso do elenco e sua diversidade, e espero que isso vá inspirar as pessoas.”
Antagonizando Cumberbatch está Mikkelsen, o Hannibal Lecter da TV, que pode ou não ter sido tematizado em seu papel como o mago Kaecilius.
“Sim, você já adivinhou, eu sou o vilão”, diz o dinamarquês, que não nenhum problema em passar no teste dos quadrinhos. “Eu tenho uma grande coleção em casa, em capas de plástico. Todo menino que cresceu com a Marvel desejaria um dia poder voar, fazer kung fu e ter poderes mágicos. Então fazer esse filme foi uma escolha muito fácil para mim. Eu acho que a Marvel é um ímã para grandes nomes porque eles adoram [a experiência]. E há muitas coisas para amar.”
Para Derrikson, que convenceu o estúdio a contratá-lo durante o curso de oito entrevistas separadas, a escala da ambição o atraiu, também. “Eu gravarei uma cena e então fazer algumas revisões no roteiro, e ao mesmo tempo olharei para os testes de efeitos visuais”, ele diz. “Nunca há muito tempo de inatividade, mas gosto muito disso. O Doutor Estranho tem sido minha revista em quadrinhos da Marvel favorita. Eu cresci lendo-as, e acho que é a única revista para a qual estou pessoalmente adequado por causa da natureza do material. É uma aberração, e estamos fazendo um filme que acho que uma verdadeira curva à esquerda no Universo da Marvel Comics.”
Se essa curva será uma bem sucedida ainda não se sabe, e um homem com um manto lançando feitiços pode soar um pouco piegas (ou hocus pocus) para as plateias. Mas aí Chris Pratt como um Han Solo moderno pareceu um anúncio estranho até Guardiões da Galáxia se tornar um sucesso. Os trailers exibiram a inteligência de Cumberbatch assim como suas habilidades no kung fu, e você não apostaria contra a Marvel continuar a expansão bem sucedida de seu “universo”.
Desde que Homem de Ferro passou como um foguete para a tela há oito anos (parece que foi mais, certo?), as ambições da Marvel cresceram em sintonia com seu sucesso. O Universo nasceu, cresceu e ficou ainda mais complexo. Agora no que ela chama “Fase 3”, a Marvel agendou filmes até o verão de 2019 enquanto a linha de história que começou em Capitão América: Guerra Civil no começo deste ano, sobre uma guerra intergalática, se constrói até um clímax. Doutor Estranho, é amplamente mantido, terá um papel chave em ajudar a entrelaçar fios distintos da narrativa, a não ser que as pessoas sintam que não se encheram de super heróis até lá.
“Evolua ou morra”, diz Derrickson do desafio a frente para a Marvel. “É muito difícil para qualquer grande estúdio evoluir destemidamente. Mas acho que a Marvel não opera por medo. A Marvel agora tem a maior biblioteca de propriedade intelectual que existe. Acho que a Marvel continuará a evoluir e surpreender plateias do jeito que elas querem ser surpreendidas.”
Ele está certo? Só o tempo dirá. Isto é, a não ser que alguém consiga abrir um portal para o futuro.
Tradução: Gi e Aline | Fonte