Trazemos para vocês, em primeira mão, a tradução do artigo que o The Guardian postou sobre o Benedict Cumberbatch. No artigo, antigos professores e pessoas que já trabalharam com ele contam a trajetória que o ator percorreu para chegar onde está hoje. Leiam abaixo:
A Chocante Sorte de Benedict Cumberbatch.
Por: Emine Saner
Vinte anos atrás enquanto ainda estava na escola, Benedict Cumberbatch teve a sua primeira chance de estrelar em Hamlet. Mas, lembra o professor de drama da Harrow, Martin Tyrell, ele decidiu se concentrar em suas boas notas. Alguns anos antes, o aluno havia se juntado a um workshop de Shakespeare e passado algumas horas trabalhando na primeira cena da peça. Tyrell lembra do garoto de 15 anos estar “tão interessado nisso. Foi quanto ele se interessou por Shakespeare, acredito eu, e pela ideia de se tornar um ator profissional”.
Tyrell, tendo visto o talento óbvio de Cumberbatch em várias produções escolares, achou que ele se tornaria “um ator extremamente esforçado, consciente e bem sucedido, mas eu nunca imaginei que ele seria um ator indicado ao Oscar e um ator interpretando Hamlet em uma produção com ingressos esgotados meses antes da estreia”.
Na verdade, Hamlet, que estreia semana que vem no Barbican em Londres, esgotou quase um ano atrás – em questão de minutos. Poucos atores tiveram um salto repentino na carreira como Cumberbatch teve. O seu sucesso não foi nem mesmo “da noite para o dia” – foi ainda mais rápido. Minutos depois de a BBC transmitir a nova série de Steven Moffat e Mark Gatiss em Julho de 2010, onde Cumberbatch interpreta o deslumbrantemente brilhante e sociopata Sherlock Holmes que se passa na Londres atual, seu nome estava nos trends do Twitter. A internet e as mídias sociais então passaram a observar: aqui estava um ator incomum, em uma série idealmente feita para a obsessão online com seus roteiros, com fãs avidamente escrevendo fanfics obcenas sobre Holmes e Watson, encorajadas pela química entre Cumberbatch e sua co-estrela Martin Freeman.
Cumberbatch na época estava no começo dos seus trinta e poucos anos e vinha trabalhando lenta e progressivamente por mais de uma década, mas nos cinco curtos anos desde que Sherlock começou, parece que a sua vida tem se movido mais rápido do que a de qualquer pessoa: ele trabalhou prolificamente, ganhou um prêmio Olivier por Frankenstein do National Theatre; um Emmy por Sherlock; foi indicado ao Oscar, Globo de Ouro e diversos BAFTAs; e geralmente tem sido assunto de muita histeria global, não apenas de superfãs de Sherlock (ano passado um jornal o chamou de “O Olivier deste século”). Ele também se casou com a diretora de teatro Sophie Hunter, e mês passado eles tiveram o seu primeiro filho.
Mesmo que tenha acontecido com ele mais tarde do que com seus colegas, sua fama não tem sido fácil de acostumar, embora muitos dos que o conheceram dizem que ele realmente não mudou. Atores normalmente são entrevistados entediantes, mas Cumberbatch regularmente parece interessante e sem defesas, feliz em conversar sobre uma grande variação de assuntos. Em 2013, quando o fundador do WikiLeaks Julian Assange criticou o ator por se preparar para interpretá-lo em O Quinto Poder, Cumberbatch disse: “Ele me acusa de ter sido ‘pistoleiro’, como se eu fosse uma pessoa qualquer facilmente comprada para propaganda de direita. Não apenas eu NÃO opero em um vácuo moral, mas esse projeto não foi apenas dinheiro para mim. Eu já trabalhei muito menos para um salário muito maior. Este projeto é importante para mim por causa da integridade que eu queria dar a esta provocante, difícil, mas fundamentalmente conveniente e realmente importante figura do nosso tempo… Isso ressoou profundamente com minhas crenças em liberdade civil, em uma democracia saudável, e nos direitos humanos de ambas as comunidades e indivíduos que questionam aqueles que têm autoridade. “
Às vezes, entretanto, ele erra: desculpou-se por ter se referido a atores negros como “de cor”, enquanto fazia um ponto válido sobre a falta de diversidade em filmes e televisão; e aparentou grosseiro ao aparecer reclamando de ser vitima de difamações ao ser considerado uma pessoa vinda de família muito rica. Mas ele falou sobre preservar a sua privacidade e sobre pessoas que tentam tirar fotos suas. “Há momentos que eu não me importo e outros momentos em que eu fico ‘Na verdade eu estou com alguém que você está totalmente ignorando e ficando em cima enquanto tenta tirar uma foto minha, e este não é o momento certo’”, ele disse ano passado. “Então eles vão embora e eu penso ‘Deus, será que eu sou um imbecil? Devo ser acessível o tempo todo?’ e penso ‘não mesmo’”.
Cumberbatch tem convivido com atores durante toda a sua vida: a sua mãe, Wanda Ventham, e seu pai, Timothy Carlton, são atores; e muitos dos seus amigos da indústria conviviam com Cumberbatch enquanto ele crescia. Por um tempo, o filho deles queria ser um advogado, mas seu talento para atuação era óbvio desde a escola. Tyrell se lembra de uma produção da peça de Georges Feydeau A Flea In Her Ear, e de estar precisando escalar um dos garotos para uma “muito atrevida e insolente” empregada francesa. “Alguém disse aquele garoto chamado Cumber Alguma-Coisa deve ser bom, ele é muito engraçado”. Logo depois, ele interpretou Willy Loman em Death of a Salesman “com muita delicadeza e grande talento intuitivo, além de um tipo de compreensão intelectual que foi uma combinação brilhante. Lembro-me de seus pais que abraçavam-se no foyer dizendo: ‘Ele é um ator.’”.
Um amigo da Universidade de Manchester, onde Cumberbatch estudou drama, se lembra dele se destacando – não apenas porque ele era um dos atores “mais brilhantes” do curso, mas também “porque ele era muito sofisticado e parecia ainda mais em Manchester. Ele parecia um aristocrata exótico, mas era sempre muito humilde e possivelmente um pouco envergonhado pelo fato de ter estudado na Harrow”. Ele se lembra de Cumberbatch ter sido parte de um grupo popular, mas também “muito dedicado à atuação, então eu não me lembro dele ser o tipo de estudante ‘vamos lá encher a cara’”.
Penny Welson, a primeira agente de Cumberbatch, o contratou após se encontrar com vários professores da Harrow em uma festa de Boxing Day. Todos eles lhe contaram: “você precisava ver nosso Benedict Cumberbatch, ele vai ser um dos grandes atores clássicos de sua geração”. Na época, após Manchester e a Academia de Música e Arte Dramática de Londres, Cumberbatch estava trabalhando como ator, embora usando o sobrenome artístico de seu pai, Carlton.
Wesson foi vê-lo em uma produção fringe de uma peça de Friedrich Dürrematt, The Visit, o adorou e pediu para representa-lo. O que ela mais gostou nele? “Ele tem uma presença. E é também um prazer de trabalhar junto. Ele é amadurecido e já era naquela época”. Ela, entretanto, tinha uma crítica. “Eu disse ‘você realmente precisa mudar seu nome de volta para Cumberbatch. É memorável’”.
Wesson introduziu Cumberbatch à Rachel Kavanaugh, que o escalou em suas primeiras grandes produções de Sonho De Uma Noite De Verão e Trabalhos de Amores Perdidos no Regent’s Park Open Air Theatre em 2001; ele se apresentou lá novamente no ano seguinte em Romeu e Julieta. Ele brinca que em grande parte dos seus vinte e poucos anos interpretou “grandes partes em pequenos filmes, e pequenas partes em grandes filmes”. Houve rápidas participações em séries como Spooks, Silent Witness e Heartbeat, mas o seu primeiro grande papel na telinha foi como Stephen Hawking na produção de 2004 da BBC, Hawking, que se passa na época que o físico era um estudante, quando descobriu o diagnóstico de Esclerose Lateral Amiotrófica.
O seu primeiro protagonista em um filme veio na produção de 2010, Third Star, como James, um jovem escritor que está morrendo e vai para uma última viagem para o Wales com três amigos. Adam Robertson, um dos produtores, diz que lutou para que Cumberbatch pegasse o papel (ele ainda era um pouco desconhecido e vários patrocinadores queriam um nome mais famoso). “Ele foi perfeito. Você acreditava que ele era um escritor, ele tinha essa coisa de poesia. O primeiro rascunho teve muitos diálogos difíceis e para Benedict isso não foi um problema”. Foi um problema para outros atores, ele conta, que acabavam exagerando na atuação.
“Ele leva isso muito a sério” diz Robertson, que também atua no filme e dividiu uma casa com Cumberbatch e outros atores durante as cinco semanas de filmagens. Uma das coisas que notou é o quão interessado ele é em outros pessoas, em seus maneirismos, seus gostos e desgostos. “Ele começou a tomar o mesmo tipo de chá que eu estava tomando” diz rindo. “Ele gosta de observar e sugar as coisas. É por isso que ele é tão bom nos personagens que interpreta, especialmente os biográficos”.
Antes de Third Star, Cumberbatch apareceu em vários filmes britânicos criticamente aclamados, mas com personagens coadjuvantes: como o capitão do time do jogo de perguntas e respostas em Garoto Nota Dez, o sinistro amigo e empresário em Desejo e Reparação, e como William Pitt em Jornada Para a Liberdade. Ele falou admiravelmente de outros atores britânicos, como Michael Sheen e James McAvoy, e pareceu ainda tentar achar um lugar para si mesmo. Ele realmente tinha alguma coisa que o levava além de seus personagens, mas sua aparência incomum – os ângulos de outro mundo de sua estrutura óssea e a combinação das cores de seus olhos, pele e cabelos – não era material de um protagonista profissional. “Ele tem o Ingrediente X” diz Wesson. “Alguém que não é como nenhuma outra pessoa. Ele não é a versão popular de ninguém”.
Sherlock mudou tudo. A diretora Susanna White escalou Cumberbatch em Parade’s End, a adaptação de Tom Stoppard dos livros de Ford Madox Ford que se passam durante a Primeira Guerra Mundial, quando ele ainda era um ator respeitado, porém relativamente desconhecido. No tempo que levaram para conseguir o dinheiro para começar as filmagens, sua carreira explodiu graças ao detetive. “Foi de ‘será que esse ator seria aceitável para os patrocinadores?’ para ‘há alguma maneira de conseguirmos ele? Conseguiremos uma fresta em sua agenda incrivelmente lotada?’” ela diz.
Stoppard já tinha Cumberbatch em mente para o papel do aristocrata dolorosamente reprimido Christopher Tietjens que estava lutando com um mundo em mudança e um casamento disfuncional. Ela compartilhou de sua confiança. “Você precisa de um tipo particular de ator que consegue lidar com o diálogo de Tom Stoppard, que consegue pegar uma escrita complicada e fazê-la parecer completamente transparente e como uma conversa normal. É como alguém que consegue fazer Shakespeare. Eu sabia que Benedict tinha essa destreza”.
Ela também precisava de um ator “que podia transmitir grandes camadas emocionais sem necessariamente dizer muito. Uma das coisas que deixam Sylvia [Esposa de Tietjens] louca é o fato de que ele não fala sobre seus sentimentos, ele é muito silencioso e eu precisava de um ator que tivesse um poder enorme, que pudesse transmitir muito sem muitas falas. Benedict tem esse carisma e inteligência. Há um ardor real. Embora ele interprete esse personagem muito reprimido, você saberia de um momento em que ele poderia se abrir com Valentine [a sufragista por quem ele se apaixona] que seria muito real. Era um personagem complicado e eu soube rapidamente que ele tinha todas essas qualidades”.
No set, ela conta, ele tinha grande energia e foco. “Ele gosta de explorar uma cena, continuá-la e de tentar novas maneiras. Ele leva o que faz muito a sério.” Na vida fora do trabalho, ela conta “ele é uma dessas pessoas realmente generosas e calorosas. Talvez seja porque demorou um tempo para se estabilizar, mas ele realmente aprecia a sua boa sorte agora. Então não há nada de estrelinha ou diva sobre ele”.
Parade’s End estreou na BBC em 2012 e no ano seguinte você não conseguia fugir de Cumberbatch. Ele esteve em blockbusters (Além da Escuridão: Star Trek e O Hobbit: A Desolação de Smaug) , e em filmes mais interessantes, como O Quinto Poder, e no filme mais falado e criticamente aclamado de 2013, 12 Anos de Escravidão. O Jogo da Imitação, que deu a Cumberbatch uma indicação ao Oscar por sua interpretação como o matemático e responsável por quebrar o código da Enigma, Alan Turing, foi lançado em 2014, assim como a terceira temporada de Sherlock. Ano que vem, depois de Hamlet, ele vai ser Ricardo III em The Hollow Crown, produção da BBC com peças históricas de Shakespeare. Mas houve tempo para projetos mais quietos, de produções menores, particularmente no rádio (mais de 20,000 pessoas tentaram comprar ingressos para as gravações do último episódio da comédia da Radio 4, Cabin Pressure, que Cumberbatch fazia desde 2008).
Ele continua tendo tempo para outro drama da Radio 4, Rumpole, para a alegria e alívio da diretora Marilyn Imrie. Ela o viu no palco em 2010, na peça de Terence Rattigan After The Dance, e percebeu que ele seria perfeito para a versão mais nova do advogado de John Mortimer. “Eu achei que ele foi fantástico, porque ele pegou essa coisa do período pré Segunda Guerra Mundial muito bem”.
Drama de rádio, ela conta, normalmente é feito na última hora, com pouco tempo para ensaio, mas Cumberbatch “sempre vem preparado e cheio de ideias, tendo claramente entendido onde ficam as nuances e onde ele deve acelerar ou acalmar. Eu o acho muito fácil de dirigir, altamente inteligente, e ele tem aquela coisa rara em um ator jovem – ele consegue capturar aquela qualidade do pós-guerra inglês que muitos atores com menos de 40 anos realmente não conseguem capturar. “
Ela conta que ele está sempre procurando por maneiras extras de incrementar sua performance – e se lembra de tê-lo visto fazendo flexões no estúdio entre as gravações. “Eu realmente admiro atores que levam tudo sobre cada aspecto de sua profissão a sério. Nem todos os atores fazem isso”.
A variedade de Cumberbatch é incrível, e será isso, ao invés da precisão de seus ternos e suas maçãs do rosto, que sustentará sua carreira. Ele fica confortável como o homem rico de época, mas também pode interpretar de forma convincente o oposto polar, alguém tão contemporâneo e contra a ordem estabelecida como Julian Assange. Houve gênios, performances em comédia e vilões de fantasia, e com Sherlock um toque de todos os três.
“O que realmente importa para mim é a qualidade e a variedade do trabalho” disse ele ano passado. “Estou nesse jogo por um longo tempo. Estou interessado em continuar trabalhando daqui 40 anos e andar por aí conversando com um ator e contando histórias sobre trabalhar com Judi Dench e Michael Gambon. Então com qualquer papo de ‘homem do momento’, popularidade, ou qualquer coisa, eu apenas sorrio ironicamente. É a mesma merda com ‘mais sexy tanto faz’. Eu vim trabalhando como ator por dez anos antes disso e ninguém levou esse mesmo rosto a sério”.
Fonte | Tradução: Bru.